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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

um atletismo afetivo

é preciso admitir, no ator, uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos. o ator é como um verdadeiro atleta físico, mas com a ressalva surpreendente de que ao organismo do atleta corresponde um organismo afetivo análogo, e que é paralelo ao outro, que é como o duplo do outro embora não aja no mesmo plano. o ator é como um atleta do coração. também para ele vale a divisão do homem total em três mundos; e a esfera afetiva lhe pertence propriamente. ela lhe pertence organicamente. os movimentos musculares do esforço são como a efígie de um outro esforço duplo, e que nos movimentos do jogo dramático se localizam nos mesmos pontos. enquanto o atleta se apóia para correr, o ator se apóia para lançar uma imprecação espasmódica, mas cujo curso é jogado para o interior. todas as surpresas da luta, da luta-livre, dos cem metros, do salto em altura encontram no movimento das paixões bases orgânicas análogas, têm os mesmos pontos físicos de sustentação.


cabe ainda a ressalva de que aqui o movimento é inverso e, com respeito à respiração, por exemplo, enquanto no ator o corpo é apoiado pela respiração, no lutador, no atleta físico é a respiração que se apóia no corpo. a questão da respiração é de fato primordial, ela é inversamente proporcional à importância da representação exterior. quanto mais a representação é sóbria e contida, mais a respiração é ampla e densa, substancial, sobrecarregada de reflexos. e a uma representação arrebatada, volumosa e que se exterioriza corresponde uma respiração de ondas curtas e comprimidas.

não há dúvida de que a cada sentimento, a cada movimento do espírito, a cada alteração da afetividade humana corresponde uma respiração própria. ora, os tempos da respiração têm um nome, como nos mostra a Cabala; são eles que dão forma ao coração humano e sexo aos movimentos das paixões. o ator não passa de um empírico grosseiro, um curandeiro guiado por um instinto mal conhecido.

no entanto, por mais que se pense o contrário, não se trata de ensiná-lo a delirar.

antonin artaud, in o teatro seu duplo, p 65

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