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Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Exercendo outros eus: I I

Novamente o Guinga e o Aldir. Instantâneos de instantes.


Zen-vergonha
(Guinga e Aldir Blanc)


Sobre o coqueiral, lua
E um violão:
Pronta a cenografia de segunda mão
Da Zen-vergonha.
Vivo nessa praia:
Sou da baixada Fluminense e do Himalaia.
O infinito vale tudo ou nada:
A escopeta é o zenbudismo da Baixada.
O torniquete, o pau-de-arara e a saraivada
-Minha aura toma e dá porrada
Me finjo de Alan Delão mas na realidade
Nessa terra é tudo Zé Trindade.
Lente de papel,
Última sessão:
Vermelho e verde na terceira dimensão
E um trapalhão
Que é Dedé, Mussum
Ou Zacaria entrando em fria
Gira e cai
No caldeirão
Peixe, camarão,
Dendê, farinha
Que ta podre mas ta bão.
Hermeto é mito! É guerra e paz. Qual é a realidade
Se há sempre um sonho que me invade?
O meu pirão é transreal,
Por isso não desanda:
Canguru é um bicho com varanda.
Zen-vergonha é assim, assim:
Muito curumim vende pó e cola,
Raspa, raspa e o camarin
Fica cheio assim de tupiniquim,

Aqui a Yoko rala côco e joga ioiô,
O Lennon veste um terno branco e é gigolô
E o último há de ser o primeiro:
A zonza da cigarra,
O ôco do cajueiro
E a revolta ainda maior:
Quem bebeu e bebe o meu suor?


Exercendo outros eus:

Além das pessoas que quero ser quando crescer, e que tenho publicado aqui, existem outras que eu queria ser agora, nesse ínfimo instante entre o passado e o futuro. Nessa ruptura de tempo que raramente conseguimos apreender na memória. Pessoas que conseguiram apoderar-se desse momento. Poemas, frases, canções. Instantes convertidos em palavras e sons.

Então, ao exercício:

Catavento e girassol
(Guinga - Aldir Blanc)


Meu catavento tem dentro
O o que há do lado de fora do teu girassol.
Entre o escancaro e o contido,
E eu te pedi sustenido
E você riu bemol.
Você só pensa no espaço,
Eu exigi duração...
Eu sou um gato de subúrbio,
Você é litorânea.

Quando eu respeito os sinais,
Vejo você de patins vindo na contramão
Mas quando ataco de macho,
Você se faz de capacho
E e não quer confusão.
Nenhum dos dois se entrega.
Nós não ouvimos conselho:
E eu sou você que se vai
No sumidouro do espelho.

Eu sou o Engenho de Dentro
E e você vive no vento do Arpoador.
Eu tenho um jeito arredio
E e você é expansiva - o inseto e a flor.
Um torce para Mia Farrow
E e o outro é Woody Allen...
Quando assovio uma seresta
Você dança havaiana.

Eu vou de tênis e jeans,
Encontro você demais:
Scarpin, soirée.
Quando o pau quebra na esquina,
Você ataca de fina
e me oferece em inglês:
É fuck you, bate-bronha...
E ninguém mete o bedelho,
Você sou eu que me vou
No sumidouro do espelho.

A paz é feita num motel
De alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois
Que não serviu pra nada.
Nos dias de carnaval
Aumentam os desenganos:
Você vai pra Parati
E eu pro Cacique de Ramos...

Meu catavento tem dentro
O vento escancarado do Arpoador,
Teu girassol tem de fora
O escondido do Engenho de Dentro da flor.
Eu sinto muita saudade,
Você é contemporânea,
Eu penso em tudo quanto faço,
Você é tão espontânea.
Sei que um depende do outro
Só pra ser diferente,
Pra se completar.
Sei que um se afasta do outro,
No sufoco, somente pra se aproximar.
Cê tem um jeito verde de ser
E eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Sono

Já procurei em toda parte. Atrás da porta, embaixo da cama, na gaveta de meias... Agora é sempre assim, deito pra dormir e o sono some! Passo o resto da noite procurando e nada. Procuro nos livros, nos ópios, nos pastores da madrugada, O sono está brincando comigo, testando meus limites, me arremessando contra o branco da página. Depois, quando desisto de tentar pegá-lo e me entrego às letras, o sono me mostra seus olhos, ilumina seu rosto e, leve, adormeço.

domingo, 24 de outubro de 2010

Leminski nunca é demais

SEM BUDISMO


Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero, Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

Da série: quando eu crescer eu quero ser...

Paulo Leminski
Do livro Caprichos e Relaxos


um dia desses quero ser
um grande poeta inglês
do século passado
e dizer
ó céu ó mar ó clã ó destino
lutar na índia em 1866
e sumir num naufrágio clandestino

sem título II

Hoje arrumei meus armários.
Joguei fora tudo que não me cabia mais,
Roupas que nunca usei,
Sapatos que machucavam passos,
Chapéus que proibiam idéias,
Arranquei do meu espelho essa imagem desgastada
Extirpei dos meus olhos o que não queria mais ver...
E guardei tudo o que sobrou numa caixinha de papel.
Tudo resumido em tão pouco,
Tudo reduzido à tão pouco,
Tudo terminado em quase nada.

Faxina

Vontade de mudar as coisas de prateleira.
Rever conceitos
Burlar medos
Parir coragens
Andar sem saber pra onde
Seguir a seta que indica o norte
Criar sortes
Gerar anseios
Gozar desejos
Conhecer
Mapear sonhos
Voar...

sem título I

lá fora, a estrada escura sugere contornos estranhos às coisas. e me arrasta para longe de mim. e então, eu, Alice, caio e me perco de mim. o que é isso tudo? qual deus há de me salvar de tamanha perdição? e será que mereço ser salva? deitada nos braços da Moira, olho os fios de outro ângulo e, longe de compreender a trama, posso reconhecer os pontos. foi meu cada passo dado nessa estrada, vontade minha. livre arbítrio? desorientação? palavras ditas, silêncios gritados, entrelinhas... suspensão. “Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido, sentia um acréscimo de estima por si mesma!” talvez fosse a noite, talvez fosse a lua, mas talvez – eu disse talvez – fosse eu.

curtinhas

vontade de não me espantar com as coisas. alcançar um estágio de ‘desespantamento’, que não fosse torpor, mas que não sacudisse tanto!


encontros são sempre felizes. agourentas são as despedidas.


tema das manhãs de quinta: “Hoje te vejo em destino incerto / No meio desse imenso deserto / Que vai do nada pra lugar nenhum...”

vozes

uma boca que eu sei
não porque me fala lindo
e sim, beija bem

porque o mal nunca entrou pela boca do homem
para calar a boca: rícino

não é veneno a tua boca
quando chama a luz do dia.

pelos olhos, boca, narinas e orelhas
a tua presença
quer voar pela boca
quer sair por aí...

na lua, na rua, na nasa, em casa
brasa da boca de um dragão...
o bate-boca
é "boca braba"
a boca escorre palavrão
e verbos saindo das bocas...

da boca da noite
ao pingo do meio dia
boca é tubo
de alta tensão

e é boca a boca
que a nova se espalha
tudo que tua boca toca
vira a grande novidade
de todas as bocas do planeta