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Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

quinta-feira, 26 de abril de 2012

é figura sem linguagem



'não existe amor em sp.'*
'aqui ninguém vai pro céu.'*
'buquê são flores mortas.'*
'a ganância vibra, a vaidade excita.'*
'não precisa morrer pra ver deus.'*



são paulo é metáfora,
é figura sem linguagem
é o mundo todo
são paulo sou eu e você


são paulo é nova iguaçu
é gente de todo o canto
é ilha de creta
é minotauro
é o fio arrebentado


é a falta de tudo que aquece
é excesso de tudo que sufoca
é o mundo todo
é figura sem linguagem
é metáfora.


*criolo, não existe amor em sp, in nó na orelha, 2011

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Patakori Ogun!

Hoje não é domingo. Mas é 23. Dia de Jorge. Assim, intimamente, sem rapapés.
Não é dia de "São" Jorge, é simplesmente dia de Jorge.
Desde muito pequena que ele está na minha vida: no Sítio do Pica-pau, nos terreiros de umbanda, no batuque do candomblé, nas sacristias. Jorge é um cara interessante, apesar de eu não gostar nem um pouco daquela imagem templária do cavaleiro de armadura matando o dragão. Prefiro o Jorge-Ogum, homem poderoso, capaz de amar e odiar como todos nós. Apaixonado guerreiro, dono dos caminhos e das estradas. É pra esse que dedico meu axé e essa canção.

sua benção.









23/04/2011


sábado, 21 de abril de 2012

desvontades

tô com sono da vida
quero dormir essa 
e acordar em outra

aproveitar meus sonhos
como se vida fossem
como se fossem verdade

quero deixar essas coisas de fora
essa falta de apetite pelo mundo
essa 'desvontade' de andar entre as gentes

'desvontade'...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

evoé, manuel bandeira!

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


manuel bandeira. in bandeira estrela da vida inteira, antologia poética, p 108.

as múltiplas vozes da alma III

Mortal loucura
Gregório de Mattos e José Miguel Wisnik


Na oração, que desaterra … a terra,
Quer Deus que a quem está o cuidado … dado,
Pregue que a vida é emprestado … estado,
Mistérios mil que desenterra … enterra.

Quem não cuida de si, que é terra, … erra,
Que o alto Rei, por afamado … amado,
É quem lhe assiste ao desvelado … lado,
Da morte ao ar não desaferra, … aferra.

Quem do mundo a mortal loucura … cura,
A vontade de Deus sagrada … agrada
Firmar-lhe a vida em atadura … dura.

O voz zelosa, que dobrada … brada,
Já sei que a flor da formosura, … usura,
Será no fim dessa jornada … nada.

no vídeo abaixo, trecho do balé onqotô, do grupo corpo, coreografia: rodrigo pederneiras;
música: caetano veloso e josé miguel wisnik; cenografia e iluminação: paulo pederneiras; figurino: freusa zechmeister; ano 2005:

sábado, 14 de abril de 2012

saudades

saudades de quando tudo era festa e nada podia estragar a alegria.
saudades de quando sábado era sinônimo de rua e amigos.
saudades de quando eu era sinônimo de rua e de festa.
saudades das rodinhas de violão.
saudades do cabo jorge.
saudades do padre farinha e do padre fritz.
saudades da minha bolsa de linha cinza e preta.
saudades da galera da sabará.
saudades dos amigos da tijuca.
saudades do tempo em que eu fazia meu tempo.
saudades!!


segunda-feira, 9 de abril de 2012

linhas azuis

agulha e linha.
bordo com mãos pesadas
finas linhas azuis

em cada uma 
há um canto 
não revelado
há um sonho
não cultivado
há um monstro
não domesticado

com olhos negros
encaro meus finos fios azuis
e suas ausências
suas querências
suas maledicências
seus adiamentos...

não fiz as casas,
nem os botões.
não pus zíper ou colchete

deixei minha história
aberta. 
escrita em finas linhas azuis...


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Da série: exercendo outros eus V

O Jardim do Silêncio
(Moska)

Um automóvel segue cego
Pela estrada iluminada de sol
E o homem que está ao volante
Nem olha pra trás
Aperta os olhos
Solta a fumaça e pensa:

Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe

A velocidade que emociona
É a mesma que mata
O sorriso antigo agora
É lágrima barata
A vida não pede licença 
E muito menos desculpa
O perdão é que possibilita
O nascimento da culpa

E assim
Viajando pelo mundo sem fim
O silêncio planta seu jardim

Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe

Esse automóvel surge surdo
Pelo caminho abafado de som
E a mulher que escreve um poema 
No banco de trás
Aperta os olhos
Solta a fumaça e pensa:

Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe



ausências



descomposta.
sem compostura.
descosturada.
descortinada.
desbaratinada.
descompassada.
descabelada.
decapitada.
desconjuntada.



sem título XXXI

fios de lua
trançados com maestria.
minha vida não cabe em um dedal.

quem é o algoz?

a roupa já não me cabe.
cresceram em mim afetos inimaginados.
morreram antigas paixões.

'quem é o algoz?'

é pergunta repetida à esmo,
é coisa sem solução.

qual é, em mim, a pele que eu habito?

qual?
há pele habitada em mim
ou só há essa ausência que preenche tudo?

'quem é o algoz?'

pergunta meu coração,
quem me abate?

'coso o couro,

mas não coso o corpo'...
cantilena de coxia.

ladainha repetida

pela mãe, de agulha em punho,
dando um jeitinho na roupa"nova" 
que a prima não usa mais...

coso o couro.

costuro vozes que cantam
pr'eu dormir.

saudades de quando era pequena

e a felicidade tinha gosto,
e cheiro, de pizza de muzzarela.

me alimento de arte

"Invejo — mas não sei se invejo — aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria. Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem fatos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer..."


"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida."


"Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Crochê das coisas... Intervalo... Nada..."


"Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter... Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo... Sim, crochê.."


"E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e anônimo, escrevo palavras como a salvação da alma [...]"


"O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos."


pessoa, fernando. in: o livro do desassossego