era
noite quando ela começou a caminhar. não sabia ao certo aonde ir ou o que fazer.
mas havia a estrada. o devir, o amanhã... o ônibus! ‘filho-da-puta!’.
certo, respira, mentaliza o azul...
certo, respira, mentaliza o azul...
azul!... azul é o caralho!
cada
vez que fecha os olhos, vê a cena mais dolorida que já viu na vida! e mesmo que
nesse momento se sinta um monstro por considerar essa cena, dentre tantas
outras terrivelmente brutais, como a mais dolorida, mesmo assim, pouco importava essa e
qualquer outra coisa!! o que ela viu, não se devia ver.
seu
homem, seu amado, escolhido entre outros igualmente machos e belos para ser seu
parceiro na perpetuação da espécie, na sua cama, dentro de outra pessoa.
era
isso possível?
'era possível que os deuses me dessem um amor, só para tomá-lo de mim? não!! não!'
como era possível que ele estivesse dentro de outra pessoas, se ainda estava dentro dela?
aquele dia em que o viu com ela no restaurante, não quis acreditar, mas ali já sabia. sexto sentido? sei lá! não foi a primeira vez que ela soube antes de saber. era como uma capacidade antiga, herdada das pitonisas. 'porra nenhuma, é instinto de preservação mesmo. percebemos quando estamos em perigo.'
'era possível que os deuses me dessem um amor, só para tomá-lo de mim? não!! não!'
como era possível que ele estivesse dentro de outra pessoas, se ainda estava dentro dela?
aquele dia em que o viu com ela no restaurante, não quis acreditar, mas ali já sabia. sexto sentido? sei lá! não foi a primeira vez que ela soube antes de saber. era como uma capacidade antiga, herdada das pitonisas. 'porra nenhuma, é instinto de preservação mesmo. percebemos quando estamos em perigo.'
sistema
límbico, ancestral, primevo.
não
falou nada. já havia dito que não perdoaria de novo, se decidisse perdoar, ele
nem saberia que ela sabia.
rodrigueanamente, decidiu ver o que essa outra história era pra ele.
'era simples, decidi que se achasse que você me amava, eu não falaria nada e te perdoaria. mas esse plano tinha um grande defeito: como eu afastaria vocês dois se você não soubesse que eu sei?'
rodrigueanamente, decidiu ver o que essa outra história era pra ele.
'era simples, decidi que se achasse que você me amava, eu não falaria nada e te perdoaria. mas esse plano tinha um grande defeito: como eu afastaria vocês dois se você não soubesse que eu sei?'
a
coisa toda foi tomando corpo: não falaria nada. seguiria-o, vigiaria de
longe.
a
primeira vez que os viu, foi na cobal. uma mesa cheia de gente. todos rindo muito,
conversando animadamente. cada um dos dois teve seu compromisso cancelado e,
ironia ou falha trágica, foram os dois para o mesmo lugar. ela foi à locadora.
ele a pizzaria. ela já estava indo embora quando ouviu sua voz, foi tomada de
uma alegria tão doce! e então os viu, e havia tanta força entre eles, um
magnetismo. e foi então 'que eu senti, forte, gelado, um arrepio cortante, subindo
pela minha coluna e mergulhando no meu estômago. e então eu soube. acho
que teria sido melhor se eu tivesse ido até os dois, falado com eles, sei lá!...'
mas
então passou a vigiá-lo de longe todos os dias. observava, e, aos poucos,
foi percebendo a rotina. os dias certos para os encontros. foi inventando novos cursos, novos horários em que eu estaria ocupada.
'mas,
sinceramente, eu não achei que eles fossem chegar a esse ponto!! minha casa!
minha cama!!'
quando
soube que eles se encontrariam aquela tarde, organizou tudo. saiu como de
costume, e foi esperar.
'a
eternidade passou por mim em poucas horas! todo o peso da tragédia humana em
meus ombros. os
vi entrar. esperei em silêncio no corredor por quase 40 minutos. ouvi as
gargalhadas deles. ouvi o barulho do gelo nos copos, senti o cheiro do incenso
e da maconha. ouvi o silêncio entre eles.
e
então eu entrei, devagar, com cuidado e foi então que eu senti cheiro dela
misturado ao cheiro dela, ouvi os gemidos... quando entrei no quarto, ele estava
gozando, não me viu. nem ela, eu não era nada, um peido, quem sabe.
nesse
momento senti em mim as maiores dores do mundo! entendi o que Édipo sentiu,
compreendi medeia... eu sabia o cada um sentiu...
e
então ele me viu. e então ela me viu. ele achou que eu queria transar com
eles!! me convidou!! foi aí que eu não agüentei! e corri, corri, desci cada um
dos 15 lances de escada como uma louca, corri até a avenida, peguei a estrada e
continuei correndo aqui.
não
tenho ar!! vou sufocar!!!
quero
vomitar essa dor de dentro de mim!!!
quero
dinamitar essa coisa que está esmagando meu peito!!! eu quero respirar!
fui pra praia. pra perto do mar, onde o vento desenrola os cabelos e as dores, fui pros braços calmos de iemanjá. fui tecer histórias. os meninos correndo livres
pela areia.'
o
sal lava tudo. ‘um dia, eu vou me sentir de novo. um dia...’