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Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

amanheci chovendo,
largas poças em minhas calçadas,
pés gelados e úmidos.
mãos fechadas, olhos nublados...

algo mudou...
como? quando?



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013


Cartas aos Reitores das Universidades Europeias

Senhores Reitores,

Na estreita cisterna que os Srs. chamam de “Pensamento”, os raios espirituais apodrecem como palha.
Chega de jogos da linguagem, de artifícios da sintaxe, de prestidigitações com fórmulas, agora é preciso encontrar a grande Lei do coração, a Lei que não seja uma lei, uma prisão, mas um guia para o Espírito perdido no seu próprio labirinto. Além daquilo que a ciência jamais conseguirá alcançar, lá onde os feixes da razão se partem contra as nuvens, existe esse labirinto, núcleo central para o qual convergem todas as forças do ser, as nervuras últimas do Espírito.. 
Nesse Dédalo de muralhas móveis e sempre removidas, fora
de todas as formas conhecidas do pensamento, nosso Espírito se agita, espreitando seus movimentos mais secretos e espontâneos, aqueles com um caráter de revelação, essa ária vinda de longe, caída do céu.
Mas a raça dos profetas extinguiu-se. A Europa cristaliza-se, mumifica-se lentamente sob as ataduras das suas fronteiras, das suas fábricas, dos seus tribunais, das suas universidades. O espírito congelado racha entre lâminas minerais que se estreitam ao
seu redor. A culpa é dos vossos sistemas embolorados, vossa lógica de 2 mais e fazem 4; a culpa é vossa, reitores presos no laço dos silogismos. 
Os Srs. fabricam engenheiros, magistrados, médicos aos quais escapam os verdadeiros mistérios corpo, as leis cósmicas
do ser, falsos sábios, cegos para o além-terra, filósofos com a pretensão de reconstituir o Espírito. O menos ato de criação espontânea é um mundo mais complexo e revelador que
qualquer metafísica.
Deixem-nos pois, os Senhores nada mais são que usurpadores. Com que direito pretendem canalizar a inteligência, dar diplomas ao Espírito?
Os Senhores nada sabem do Espírito, ignoram suas ramificações mais ocultas e essenciais, essas pegadas fósseis tão próximas das nossas próprias origens, rastros que às vezes conseguimos reconstituir sobre as mais obscuras jazidas dos nossos cérebros.
Em nome da vossa própria lógica, voz dizemos: a vida fede, Senhores. 
Olhem para seus rostos, considerem seus produtos. Pelo crivo dos vossos diplomas passa uma juventude abatida, perdida. Os Senhores são a chaga do mundo e tanto melhor para o mundo, mas que ele se acredite um pouco menos à frente da humanidade.

Antonin Artaud

terça-feira, 27 de novembro de 2012

quase humano

o quase humano que há em mim,
parece se contorcer
se dilacerar, 
estaria morrendo?
qual nada,
ele está cagando pra mim!!!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

sem título, com delicadeza


'gosto de delicadezas', 'de delicadezas', 'delicadezas', delicada'...
a frase lida, ainda soa na cabeça,
posso ouvi-la repetindo:
'delicadezas, delicadezas'...
ouço-a e quase posso ver
os olhos de jabuticaba
- delicados e doces -
se fechando num desejo 
não te entendo
não sei quem você é
não falo sua língua,
mas, também eu, 
gosto de delicadezas,
e uma parte quase humana
que trago escondida em mim,
encara seus olhos, 
e num gesto quase inexistente
ajeita seu cabelo e sorri.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

o vento desenrola os cabelos e as dores




era noite quando ela começou a caminhar. não sabia ao certo aonde ir ou o que fazer. mas havia a estrada. o devir, o amanhã... o ônibus! ‘filho-da-puta!’.
certo, respira, mentaliza o azul...
azul!... azul é o caralho!
cada vez que fecha os olhos, vê a cena mais dolorida que já viu na vida! e mesmo que nesse momento se sinta um monstro por considerar essa cena, dentre tantas outras terrivelmente brutais, como a mais dolorida, mesmo assim, pouco importava essa e qualquer outra coisa!! o que ela viu, não se devia ver.
seu homem, seu amado, escolhido entre outros igualmente machos e belos para ser seu parceiro na perpetuação da espécie, na sua cama, dentro de outra pessoa.
era isso possível?
'era possível que os deuses me dessem um amor, só para tomá-lo de mim? não!! não!'
como era possível que ele estivesse dentro de outra pessoas, se ainda estava dentro dela?
aquele dia em que o viu com ela no restaurante, não quis acreditar, mas ali já sabia. sexto sentido? sei lá! não foi a primeira vez que ela soube antes de saber. era como uma capacidade antiga, herdada das pitonisas. 'porra nenhuma, é instinto de preservação mesmo. percebemos quando estamos em perigo.'
sistema límbico, ancestral, primevo.
não falou nada. já havia dito que não perdoaria de novo, se decidisse perdoar, ele nem saberia que ela sabia. 
rodrigueanamente, decidiu ver o que essa outra história era pra ele. 
'era simples, decidi que se achasse que você me amava, eu não falaria nada e te perdoaria. mas esse plano tinha um grande defeito: como eu afastaria vocês dois se você não soubesse que eu sei?'
a coisa toda foi tomando corpo: não falaria nada. seguiria-o, vigiaria de longe.
a primeira vez que os viu, foi na cobal.  uma mesa cheia de gente. todos rindo muito, conversando animadamente. cada um dos dois teve seu compromisso cancelado e, ironia ou falha trágica, foram os dois para o mesmo lugar. ela foi à locadora. ele a pizzaria. ela já estava indo embora quando ouviu sua voz, foi tomada de uma alegria tão doce! e então os viu, e havia tanta força entre eles, um magnetismo. e foi então 'que eu senti, forte, gelado, um arrepio cortante, subindo pela minha coluna e mergulhando no meu estômago. e então eu soube. acho que teria sido melhor se eu tivesse ido até os dois, falado com eles, sei lá!...'
mas então passou a vigiá-lo de longe todos os dias. observava, e, aos poucos, foi percebendo a rotina. os dias certos para os encontros. foi inventando novos cursos, novos horários em que eu estaria ocupada.
'mas, sinceramente, eu não achei que eles fossem chegar a esse ponto!! minha casa! minha cama!!'
quando soube que eles se encontrariam aquela tarde, organizou tudo. saiu como de costume, e foi esperar.
'a eternidade passou por mim em poucas horas! todo o peso da tragédia humana em meus ombros. os vi entrar. esperei em silêncio no corredor por quase 40 minutos. ouvi as gargalhadas deles. ouvi o barulho do gelo nos copos, senti o cheiro do incenso e da maconha. ouvi o silêncio entre eles.
e então eu entrei, devagar, com cuidado e foi então que eu senti cheiro dela misturado ao cheiro dela, ouvi os gemidos... quando entrei no quarto, ele estava gozando, não me viu. nem ela, eu não era nada, um peido, quem sabe.
nesse momento senti em mim as maiores dores do mundo! entendi o que Édipo sentiu, compreendi medeia... eu sabia o cada um sentiu...
e então ele me viu. e então ela me viu. ele achou que eu queria transar com eles!! me convidou!! foi aí que eu não agüentei! e corri, corri, desci cada um dos 15 lances de escada como uma louca, corri até a avenida, peguei a estrada e continuei correndo aqui.
não tenho ar!! vou sufocar!!!
quero vomitar essa dor de dentro de mim!!!
quero dinamitar essa coisa que está esmagando meu peito!!! eu quero respirar!
fui pra praia. pra perto do mar, onde o vento desenrola os cabelos e as dores, fui pros braços calmos de iemanjá. fui tecer histórias. os meninos correndo livres pela areia.'
o sal lava tudo. ‘um dia, eu vou me sentir de novo. um dia...’

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

poema para o dia da árvore

A Árvore da Serra
Augusto dos Anjos



- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha'alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!



in eu e outras poesias

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

as múltiplas vozes da alma III

Cais
Mario Quintana

Naquele nevoeiro
Profundo profundo...
Amigo ou amiga,
Quem é que me espera?

Quem é que me espera
Que ainda me ama,
Parado na beira
Do cais do Outro Mundo?

Amigo ou amiga
Que olhe tão fundo
Tão fundo nos meus olhos
E nada me diga...

Que sorriso esquecido...
Ou radiante face
Puro sorriso
De algum novo amor?!



mario quintana. in: aprendiz de feiticeiro

terça-feira, 11 de setembro de 2012

'chore, amor, chore'

'sente-se à minha janela, amor, olhando a chuva...'*
pegue minha mão,
esvazie o pensamento,
encha-se de versos,
cantarole uma canção.

'sente-se à minha janela, amor,'
* 
e me escreva longas cartas:
fale-me de meus cabelos longos,
de meus lábios doces,
dos meus olhos de noite...

e 'chore, amor, chore',
* 
chore muito, chore tanto,
e cante,
e dance,
e goze,
e seja,
e sonhe...
'o tempo continua passando...'
* 

* bert russell, norman meade, w. m. thornton, janis joplin, gabriel mekler









quinta-feira, 6 de setembro de 2012

um atletismo afetivo

é preciso admitir, no ator, uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos. o ator é como um verdadeiro atleta físico, mas com a ressalva surpreendente de que ao organismo do atleta corresponde um organismo afetivo análogo, e que é paralelo ao outro, que é como o duplo do outro embora não aja no mesmo plano. o ator é como um atleta do coração. também para ele vale a divisão do homem total em três mundos; e a esfera afetiva lhe pertence propriamente. ela lhe pertence organicamente. os movimentos musculares do esforço são como a efígie de um outro esforço duplo, e que nos movimentos do jogo dramático se localizam nos mesmos pontos. enquanto o atleta se apóia para correr, o ator se apóia para lançar uma imprecação espasmódica, mas cujo curso é jogado para o interior. todas as surpresas da luta, da luta-livre, dos cem metros, do salto em altura encontram no movimento das paixões bases orgânicas análogas, têm os mesmos pontos físicos de sustentação.


cabe ainda a ressalva de que aqui o movimento é inverso e, com respeito à respiração, por exemplo, enquanto no ator o corpo é apoiado pela respiração, no lutador, no atleta físico é a respiração que se apóia no corpo. a questão da respiração é de fato primordial, ela é inversamente proporcional à importância da representação exterior. quanto mais a representação é sóbria e contida, mais a respiração é ampla e densa, substancial, sobrecarregada de reflexos. e a uma representação arrebatada, volumosa e que se exterioriza corresponde uma respiração de ondas curtas e comprimidas.

não há dúvida de que a cada sentimento, a cada movimento do espírito, a cada alteração da afetividade humana corresponde uma respiração própria. ora, os tempos da respiração têm um nome, como nos mostra a Cabala; são eles que dão forma ao coração humano e sexo aos movimentos das paixões. o ator não passa de um empírico grosseiro, um curandeiro guiado por um instinto mal conhecido.

no entanto, por mais que se pense o contrário, não se trata de ensiná-lo a delirar.

antonin artaud, in o teatro seu duplo, p 65

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

sem título XL



a vida
trançada em fitas coloridas,
me leva ladeira
acima
me põe na torre
me tranca
e vai

sozinha
costurada
desconstruída
faço das paredes
meu altar