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Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

da arte de fazer avessos

o avesso é assustador. é como encontrar o batman comendo o robin, a mulher maravilha e o rintintin. caetano - eu acho - disse lindamente que 'de perto ninguém é normal.' e de dentro então? de dentro é tudo muito pior! veias abertas, entupidas de egos, acharques, crendices, superstições, devaneios. é nessa hora que álvaro de campos me grita aos ouvidos: "são todos o ideal, se os oiço e me falam! onde é que há gente no mundo?" deve ser um privilégio ignorar certas coisas. é preciso cuidar do que vai dentro. boas costureiras cuidam muito do avesso das roupas.

domingo, 20 de novembro de 2011

adeus ano velho.

vamos fazer o seguinte:
eu me viro,
grudo a cara na parede e você
sai. vai embora.

nem precisa arrumar nada.
deixa tudo fora de ordem,
pessoas e coisas
- totalmente  -
fora de lugar.

carece de arrumar nadica de nada.

passa. vaza. some.
vira passado, vaga lembrança
fotografia na parede,
pode ser que doa,
pode ser que não.
mas vai.

5, 4, 3, 2, 1!
feliz ano novo!

domingo, 2 de outubro de 2011

as múltiplas vozes da alma II

“A superação da piedade é por mim incluída entre as virtudes nobres: imaginei, sob o nome de «A tentação de Zaratustra», aquele caso em que um grande grito de angústia lhe chega aos ouvidos, em que a compaixão o assalta como um último pecado, e o quer alienar de si mesmo.

(...)

Se algo em geral se deve objectar contra a doença, contra a fraqueza, é que nela o genuíno
instinto da cura, isto é, o instinto de defesa e de combate, se enfraquece no homem. Não sabemos desembaraçar-nos de nada, não sabemos acabar seja com o que for, nada sabemos repelir – tudo nos fere.

(...)

Isso foi o que entendeu muito bem aquele profundo fisiólogo, Buda. A sua «religião», que antes se deveria denominar higiene, para não a confundir com coisas tão lastimosas como o cristianismo, fez depender a sua eficácia da vitória sobre o ressentimento: libertar dele a alma – eis o primeiro passo para a cura. «Não é pela inimizade que se chega ao fim da inimizade, é pela amizade que se põe fim à inimizade...: eis o começo da doutrina de Buda – aqui não fala a moral, (...)”

Nietzsche

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

as múltiplas vozes da alma I

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.


Clarice Lispector

terça-feira, 27 de setembro de 2011

tudo coberto por largos e brancos lençóis

meu cadinho tem andado vazio. portas e janelas fechadas. móveis cobertos por largos e brancos lençóis. trancado e silencioso como a casa no lago, que fica todo o ano fechada e só respira ar puro no início do verão, quando se vê invadida por risadas, latidos e uma constante corrente de ar.

não fechei meu cadinho por não gostar dele. não! pelo contrário, é aqui que sou mais eu, livre e feliz. esse é meu recôncavo, meu santo amaro, minha rua do ouvidor, minha abbey road, meus rododendros. tenho vindo pouco porque a vida me engoliu!

ando escrevendo, mas nada que valha ser divido. meus pensamentos andam embotados de química, de medos. confusos. crus. talvez um dia eu os traga pra cá, os arrume nas estantes e os leia. mas nesse momento eu os escondi até de mim!

passarei mais uns dias sem passar por aqui. mas eu volto logo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

de ser eu

no topo da minha lista de desejos, há um desejozinho, daqueles que guardamos embaixo de outras vontades, bem escondido pra que nem a gente lembre. é um desejo de ser eu mesma. um desejo de ser alexandra até a enésima potência, de ser tão eu quanto o universo pode ser ele. há, é claro, uma série de impossibilidades para cada desejo que temos. muitas coisas me impedem de realizar meu desejo de ser eu mesma. muitas coisas: o mundo, as pessoas, meu medo de ser quem sou. ser eu mesma é o mais antigo dos meus desejos. desde sempre quis ser eu. quando era pequena me imaginava sendo eu adulta: cabelos longos trançados com fitas e flores, casas de janelas abertas com vasos de margaridas no peitoril. eu adulta era o máximo!!! liberta, forte, emancipada, dona do meu nariz, dos meus quadris, dos meus sonhos... essa eu que eu achava que seria quando fosse, era muito bacana. - bacana é gíria de gente velha, me dizem, mas ainda não achei nada mais bacana do que bacana pra falar de mim!!!
fui me preenchendo com tantos pedaços quanto pude ao longo do caminho. coloquei algumas linhas no meu rosto, tirei alguns fios do meu cabelo, alguns tingi de vida, outros cortei. com o passar dos anos modifiquei tanto meu sonho, que me esqueci dele e, de repente, ser eu mesma não era mais a prioridade, não era mais um desejo. tornei-me adulta. criei laços, cumpri prazos, plantei árvores, fiz arroz, li muitos livros, pari. e aquele sonho de ser alexandra ficou dentro da gaveta no armário dos sonhos. 
agora, depois de muitos anos, encontrei-o de novo enquanto arrumava as gavetas da alma. é a vida me dando outra chance. sou eu mesma me dando outra chance. será que inda há tempo de ser eu mesma?

sem título XXVII

da vida conheço pouco
alguns doces com açucares e frutas
alguns vinhos com açucares de frutas
alguns ninhos sem açucares ou frutas

gosto da palavra açucares
assim, no plural, excessos
exageros de mel que grudam nos dentes 
e no céu da boca

ando cansada de sal
é sal demais
nos pratos rasos
nos colos vazios
nos salários baixos
nos dentes com cárie

vontade doce de salgar o mundo

sem título XXVI

essa infelicidade não é novidade
é coisa antiga
que me acompanha faz tempos
essa tristeza é de anos de abandono e maus tratos
anos em que me deixei de lado pra cuidar dos outros

os outros. os outros. os outros.
deixei muito de lado por conta deles.
deixei meus sonhos mais bonitos
deixei meus cabelos de tranças.
deixei minhas danças.

esqueci de tudo o que planejei.
minha casa com janelas amarelas
meu jipe verde
meu tênis bamba.
minha calça jeans.

perdi o brilho e o viço
quebrei-me como uma folha de açucar,
despetalei-me.
enterrei-me.
perdi-me.
sufoquei-me.
acabei.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

o leme é meu!

quase nunca sei quem sou ou de onde vim. essa via de nascimento e crescimento que nos transforma em quem somos, nos coloca em nosso lugar e nos pinta com nossas cores. mas quem escolhe esses caminhos? quem decide qual é o nosso lugar? quem escolhe nossas cores? quem, fora de nós, pode tomar essas decisões? não!! eu não vou me sentar aqui, quietinha, e deixar que decidam minha vida! o vento pode ser pra todos, os caminhos podem ser pra todos, mas o leme, ah!, o leme, esse é só meu!!!!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

não necessariamente nessa ordem

minha religião é o amor. o amor em todas as suas facetas. o amor sacro e profano de teresa d'ávilla, o amor liberto de dogmas de florbela espanca, o amor guardado sob montanhas e rios de drummond, o amor vento frio e alma quente de quintana, o amor amigo de roberto e erasmo. só o amor me cura. o amor e a poesia. o amor e a poesia e o teatro. o amor e a poesia e o teatro e a literatura. o amor e a poesia e o teatro e a literatura, não necessariamente nessa ordem.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

sem título XXV

eu acredito nas pessoas.
eu me espanto com a vida.
eu tenho consciência da morte.
eu amo.

menos que isso, eu passo!!!

sexta-feira, 22 de julho de 2011

poema preso

tem um poema preso na minha garganta
agarrado nela
com vontade louca de não nascer

e ele fica ali, pendurado,
me arranhando, me fazendo tossir
poema preso nem própolis solta

poema preso carece de nuvens e de vento
poema preso carece de carinho e de cheiro
poema preso carece de colo e e de vinho
carece de sorvete
carece de beijo
e de língua

poema preso é coisa séria
vou metendo os dedos no teclados
pra ver se boto ele pra fora
pra ver se me livro desse nó
dessa trava
dessa traça
dessa coisa que me tira o ar

sábado, 9 de julho de 2011

precisa de título?

estou nua de esperanças
vazia de vontades e desejos
o mar bate nas pedras e não me vê
a vida bate na terra e não me aquece

estou aqui
parada
inerte
a viva mais morta
desse lado do atlântico

tudo pra mim já foi ou não veio
amizades perdidas no coração do país
textos mofados nas gavetas da mente
sonhos castrados pela moira

tudo em minha vida veio como acidente
amores
filhos
desejos

tudo em mim já está velho e cansado
eu em mim estou velha e cansada
nada vale a pena
nada me resgata
nada me retém
nada nem ninguém

sou tão frágil
tão pequenina
tão ridícula
tão risível
tão vazia
oca

agora vou deitar
cruzar as mãos no peito
e esperar

terça-feira, 14 de junho de 2011

Da série: e por que não pensar na morte?

Queria que me bebessem quando eu morrer. Sabe aquela farra de noite toda, muita cachaça, biscoitos, bolinhos e chás. Todos lembrando só de coisas boas! A maioria feliz por se encontrar. Ritual pagão, sem choro, sem vela, sem medo. Todos felizes, até eu!!

Da série: e por que não pensar na morte?

epitáfio
e.pi.tá.fio
sm (gr epitáphios1 Inscrição num túmulo. 2 Breve elogio a um morto.


                    
                    Aqui jazz uma discípula de Arto Lindsay.











Da série: e por que não pensar na morte?

Queria morrer Scarlet O'hara: ser enterrada na minha terra, sob a jabuticabeira, num caixão simples e cheio de sementes.
Quero vira flor!!

A vida

É meu amigo, a vida urge e ruge lá fora. A vida ruge de vontade de não fazer. A vida anda cansada amigo, cansada.
A vida anda esgotada de tanta falta de vida. A vida anda devagar e sem vontade, como quem não quer chegar.
Sabe, amigo, venho de muito longe, trago na bagagem paisagens sem fim e no peito trago amizades tantas e nos olhos trago pó.
Gostaria de me sentar ao teu lado e olhar o mar. Em silêncio, sem fala, sem músicas, só eu, você e as ondas. Eu deitaria minha cabeça em teu colo e dormiria.
É amigo, a vida em mim anda cansada.

sem titulo XXIV

saudades de você.
do seu sorriso doce
do seu jeito de virar a cabeça de lado
quando conversamos

dos olhos tímidos
que tentam se esconder
atrás das lentes escuras

saudades do seu jeito
calmamente implosivo
de dizer o que pensa

saudade das verdades que contas
como quem lê jornal
saudades de me sentir especial

saudades de dividir minhas tardes
saudades de músicas e letras
saudades latejantes de você

saudades de eu com você
saudades de eu mais você
saudades...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

sem título XXIII

vontade de deitar minha
cabeça em teu colo
e olhar as luzes dos postes
começando a acender
enquanto nos enchemos de sons.

desenhando caminhos
neste fim de tarde, tão claro e azul,
de outono!

amo minha cabeça assim,
deitada em teu colo.
o volante como leme
nos leva daqui
singra os ventos estradeiros
e nos leva
para longe
               bem longe
                              tão longe
que não há volta.

olhas tão dentro de mim
vês tão fundo em minha alma
que já vês o futuro
algo que ainda nem sei,
o contrário das estrelas,
um eu que ainda não fui.

música. colo. estradas.
lusco-fusco.
luzesdepostesquepassam.
música. cabeça.
silêncios. amor.

sem título XXII

não me reconheço mais,
entre eu e eu
nasceu alguma coisa
que não sei o que é

a coisa se (o) põe
entre mim e mim
é estranha
e não tem nome

é inominável, a coisa
é incompreensível
é inconfessável
é inoperante
é separatista

é véu que não chora
fica parado, não venta
é véu que tampa,
não cobre

meu reflexo embotado
recortado por mim
desgastado,
não sou eu

é a coisa,
entre eu e eu
e mim e mim
há a coisa.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Das coisas que nos salvam I

Existem coisas que surgem e nos salvam, nos retiram do lugar-comum, da mesmice, dessa calmaria que interrompe a viagem e nos entrega a inércia.
Pois hoje fui salva da inércia por essa canção, e por essa banda, e por essas pessoas, e por esse som... muito bom!!!
Não sei se pra sempre, mas hoje, nesse meu agora, nesse momento me sinto salva pra sempre...



A Banda Mais Bonita da Cidade
Oração
Uyara Torrente Rodrigo Lemos Vinicius Nisi Diego Plaça Luis Bourscheidt

Agora é fato, é tato, olfato, paladar, audição.

É, agora tenho certeza. Com o remédio vem às dores e a falta de cores. E os suores. E tudo aquilo que sai, mesmo que eu insista em guardar tudo pra mim.
Tudo me é demais. Duro demais, cinza demais, feio demais, pouco demais...
Meus ouvidos gritam pro mundo, gritam.
Tudo dói, tudo eu sinto. O remédio traz a dor. Até agora era como se tudo fosse só uma suposição, loucura, praga.
Agora é fato, é tato, olfato, paladar, audição. Agora é de verdade, é na carne.
Engraçado é pensar que as reprises virão, infalíveis, impassíveis, indizíveis... sempre mais do mesmo, mais do mesmo pra virar menos do mais, sei lá...
Mareada, enjoada, embarcada, encharcada...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

13 de maio

Como bem disse João Ubaldo "somos o maior povo mestiço sobre a face da terra".


Em homenagem a nossa mestiçagem, a essa maravilhosa mistureba racial que somos nós, vou pedir licença ao Lenine e fazer meus os versos dessa canção:



Etnia Caduca
Lenine


É o camaleão
Diante do arco-íris
Lambuzando de cores
Os olhos da multidão.

É como um caldeirão
Misturando ritos e raças,
É a missa da miscigenação.

Um mameluco maluco
Um mulato muito louco
Moreno com cafuzo
Sarará com caboclo
Um preto no branco
E um sorriso amarelo banguelo

Galego com crioulo
Nissei com pixaim
Curiboca com louro
Caburé com curumim

É o camaleão e as cores do arco-íris
Na maior muvuca,
Ô... etnia caduca!




terça-feira, 10 de maio de 2011

Da série: exercendo outros eus IV

Serra Do Luar
De Walter Franco
Com Leila Pinheiro


Amor, vim te buscar
Em pensamento
Cheguei agora no vento
Amor, não chora de sofrimento
Cheguei agora no vento
Eu só voltei prá te contar
Viajei...Fui prá Serra do Luar
Eu mergulhei...Ah!!!Eu quis voar
Agora vem, vem prá terra descansar

Viver é afinar o instrumento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro

Amor, vim te buscar
Em pensamento
Cheguei agora no vento
Amor, não chora de sofrimento
Cheguei agora no vento
Eu só voltei prá te contar
Viajei...Fui prá Serra do Luar
Eu mergulhei...Ah!!!Eu quis voar
Agora vem, vem prá terra descançar

Viver é afinar o instrumento (de dentro)
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro

Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo
Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro



terça-feira, 3 de maio de 2011

Em tiras

Não havia nada que pudesse fazer. Os dados foram lançados e, contra os dados, não há como lutar.

Arrumou suas pobrezinhas com calma. Cabia tudo numa pequena maleta de couro. Única peça que herdara da mãe. Duas blusas, uma velha calças lee, algumas calcinhas e sutiãs.
Colocou a maleta logo na entrada, à esquerda do portão.

Tornou a entrar. Arrumou a mesa, a cama, passou uma vassoura na casa. Depois tomou um longo banho morno, se perfumou, se penteou, um pouquinho de batom.

Esperou.

Quando ele chegou, ela já havia bebido duas garrafas de vinho. Ele vinha com aquele cheiro que ela já aprendera a reconhecer: pinga, perfume barato e sexo. “Quantas vagabundas ele comeu hoje?” Ela começou a pensar mas logo desistiu. Não fazia sentido.

Ao olhar a casa arrumada, a mesa posta e a mulher cheirosa e meio bêbada, ele se espantou e se animou.

Ela lhe serviu uma taça de vinho, um bom prato de risoto. Tentou conversar normalmente. Não. Normalmente não. Normalmente ele não falaria com ele.

Depois foram pra cama. Ela deixou que ele se lambuzasse. De quatro. De lado, por baixo, por cima... Até que ele caiu duro, babando.

Então ela começou a executar seu plano. Levantou bem devagar , amarrou os pés e as mãos daquele que já fora seu grande amor. Nesse momento uma tristeza antiga apoderou-se dela. Olhando-o ali, deitado, com o veneno começando a fazer efeito, chegou a pensar em desistir... “Não!” Gritou alguém dentro dela, “desistir nunca! Começou, agora termina. Acaba logo com isso de uma vez por todas!”

Então ela deu andamento ao seu plano. Pegou a gilete na gaveta e começou a corta bem devagar. Foi tirando pequenas tiras. Uma para cada bofetada, humilhação que havia recebido dele.

Eram muitas, e ela levou horas nesse serviço. Precisa ser bem feito, afinal ele sempre gostou de tudo muito bem feito. E não era agora que ela iria desapontá-lo!

Chorou muito. Ora de tristeza, afinal havia verdadeiramente amado aquele homem, ora de gozo e vingança. Por fim arrumou toadas as tiras lado a lado na penteadeira, entre os perfumes baratos que ele tanto gostava.

Tomou um banho, se maquiou, pôs uma roupa nova, soltou o cabelo e foi.

Na esquina, com a pequena maleta de couro na mão, parou, olhou para trás e sorriu.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

sem título XXI

não que eu não tenha sonhos, tenho sim.
sonhos coloridos como balões de festa
sonhos com formatos de nuvens
sonhos com cheiro de alfazema e macela.

não que eu não deseje coisas, desejo sim.
coisas que eu ainda não tenho
coisas que eu já tive e se perderam no tempo
coisas que jamais  serão minhas.

não que eu não chore, choro sim.
lágrimas quentes e salgadas que rolam na face
lágrimas amargas que mudam o gosto do dia
lágrimas que se perdem em sorrisos.

não que eu não cometa erros, cometo sim.
erros crassos e débeis como castelos de cartas
erros bestas como pisar na linha da amarelinha
erros grandes que mancham por muito tempo.

mas sonhar, desejar, chorar e errar não me diminuem
pelo contrário!
me tornam mais forte e mais leve.

pena?
pena eu tenho de quem não sonha
não deseja
não chora
não erra.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

sem título e com sol




hoje enquanto passeava a beira mar
tropecei num pedaço do sol...

sem título e com prazer

O suor no rosto
No calor do corpo
Quente
Rente
Frente e verso
Riso
Choro
Permitir é conhecer
Viver intensamente
Flores
Alma
Boca
Gosto
Riso solto
Estrelas fazem cócegas no céu da boca
Na tua frente meu corpo estremece
Convulsão
Vulcão
             Meu ventre...

Vem Cá



Vem cá 
que eu tô com sede 
e quero te beber 
Vem cá 
que meu corpo 
tem fome de você 
deixa eu me saciar 
no teu gozo 
misturar meu gosto 
no teu gosto 
Vem cá, 
Deixa...

Aviso

Cada vez mais aqueles sonhos eram freqüentes.
 Cada vez mais intensos.
Mais reais.
 Será que isso era um bom sinal?
Será que ainda tinha imaginação ou já perdera completamente o juízo?
E se perdera também, junto com o juízo.
Sempre quis saber o que significava perder o juízo.
 Será que devaneio é antônimo de juízo?
Será que ao devanear as mulheres poderiam descobrir que havia outra coisa?
Outras possibilidades?
Queria muito que aquele fosse o anúncio de um futuro.
Um aviso.
Aquele era homem que ela queria.
Aquela era ela que ela queria.
Mas quem queria ainda quer
ou já desistiu?

Cala a boca!

Cala a boca
Que sua voz me incomoda!
Guarda suas verdades absolutas pra você e não me enche!
Pega seu egoísmo e enfia no cu, digere ele ao contrário e vomita ele na sua mão.
Depois se engasga e some.
Mas, agora, por favor,
CALA A BOCA!!!

Potetransbordando

To potetransbordando de você.
Buraco na minha camada de ozônio.
Suas absolutas verdades
Suas absolutas vontades
Seus absolutos achares
Esse monopólio feudal
Seu absolutismo
Seu “eu não gosto” medieval
Esse seu tribunal inquisidor que queima tudo
o quê não vem de você
não depende de você
não precisa de você
Eu prefiro morrer a me curvar
queimar a me acostumar
bruxa amarrada na fogueira
Vou pegar minha vassoura e me mandar

sábado, 23 de abril de 2011

Patakori Ogun!

Hoje não é domingo. Mas é 23. Dia de Jorge. Assim, intimamente, sem rapapés.
Não é dia de "São" Jorge, é simplesmente dia de Jorge.
Desde muito pequena que ele está na minha vida: no Sítio do Pica-pau, nos terreiros de umbanda, no batuque do candomblé, nas sacristias. Jorge é um cara interessante, apesar de eu não gostar nem um pouco daquela imagem templária do cavaleiro de armadura matando o dragão. Prefiro o Jorge-Ogum, homem poderoso, capaz de amar e odiar como todos nós. Apaixonado guerreiro, dono dos caminhos e das estradas. É pra esse que dedico meu axé e essa canção.




encharcada de sol

E se de repente a porta se abrisse? Se o vento entrasse, soprasse frio no rosto? Sentindo um calor no corpo, foi saindo devagar, sem fazer alarme, guardando pra si aquele momento, andou até a varanda e respirou aquele gosto salgado de mar!!! Seu corpo invadido pelo frescor que aquele vento trazia implodiu com tamanha vitalidade que, por um segundo, a idéia doce da morte a invadiu... Medo da morte é pra quem nunca morreu, e só não morreu quem ainda não nasceu, é aqui em cada pequena morte do dia-a-dia que nascemos de novo, novo capitulo outro caminho....
Correu até a praia e se deixou lamber pelo mar...aquela língua molhada e fria nos seus pés... suas canelas... ia subindo um frio quente pelas costas que depois escorria por ela e a esquentava de novo. Um sorriso nervoso ganhou seu rosto sentia-se novamente virgem, casta, pura e se imaginava sendo lambida pelo mar.
Deitou-se na areia e foi sentido um calor a invadir, seus dedos iam sentindo sua pele arrepiada de vontade, todo o seu corpo pedia por mais, o sol, o mar, o vento lambendo seu rosto, seus dedos... Ah... o sol, quente, envolveu seu corpo e eles ficaram abraçados por muito tempo, ela derretendo bem devagar nos braços dele... ele encharcado dela.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

sem título XX

faltam algumas coisas, falta sentir medo ou dor
falta sentir vontade de sentir medo ou dor
falta, ainda, descobrir como mandar no que sinto
falta ter coragem pra dizer que não tenho coragem
falta parar de machucar todo mundo
falta tanta coisa

terça-feira, 19 de abril de 2011

... e a lua me desperta e me lança na escuridão ...

saudades do tempo em que meus dedos não pensavam.
tempo em que escrever era uma única ação.se realizava simultaneamente no coração, no papel e na cabeça.
tempo em que eu não me preocupava com o sentido, ou com a falta de.
saudade de quando o lápis guiava minha mão e não encontrava empecilhos.
é noite e ainda estou mais que acordada.
é noite alta e a lua me desperta e me lança na escuridão.
não há como mandar no meu corpo, não há como me deixar tranquila, com aquela imensa bola prateada boiando no céu.
lá fora os lobos cantam pra lua e se embebedam de suor e sons.
não há como deixar passar tantos símbolos.
não há possibilidade de ignorar os parangolés que dançam pra mim.
ou em mim. e sem mim. e de mim.
parangolés como risos soltos no espaço, gargalhadas viajando no ar.
riem de quê? de quem? de mim? por quê?
rio eu.

(que o Fernando não me leia)

rio de eu.
assim mesmo: de. não para ou com. mas sim de.
quero não pensar, não sofrer, quero que essa marca suma. não quero mais sangrar, nem chorar, nem tremer. ou temer.

saudade de quando as palavras manchavam o papel num jorro contínuo.
único. forte.
gosto de palavra boa na boca.
gosto – substantivo masculino - de palavra.
gosto – verbo intransitivo – de palavra.
“gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões”.
ser. estar.
saudades do tempo em que meus dedos não pensavam.


19/04/2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

a lua

longe da janela, de frente pra parede e pra tela do computador. buscando prognósticos, tentando descobrir como será o que ainda não sei. então me levantei e, de relance, quase como um furto, a vi: linda, redonda, cheia, brilhante, imponente, maternal. bem ali, na minha janela. inteira pra mim. ela. a lua. inteira. pra mim.

sem título XIX

Urgência. Medo. Dores. "Corpos suam dores" e "furtam cores". Camaleões. Escrita cravada na pele e na memória. Saber de corpos outros e tantos que explode em mim. Vozes ancestrais que buscam afeto, aceitação, cheiro no cangote.
Minha palavra calada te espelha e te espanta. Espelho de dores, gozos, saberes. Espanto de dores, gozos, saberes. Sei muito pouco sobre tudo. Quase não sei nada. Verdade mesmo: nada sei.
Aqui, quietinha entre minha cadeira e o teclado, vislumbro o mundo e estremeço. Não quero mais esse mundo cruel e injusto. Quero o mundo de Alice (ma-ra-vi-lho-so!), cheio de flores falantes e gatos risonhos.
Mas há a dor. Ela fala mais alto que tudo. Ela grita tanto que não há como ignorá-la. Mandrágora. Flores do mal? Há mal? Qual?
Além dos muros da cidade estão os homens sem rei. Para eles tudo que importa é o prazer de ser. Pra mim, é o sabor de estar. Nos completamos.

domingo, 17 de abril de 2011

sexta-feira, 15 de abril de 2011

sem título XVII

entre o ontem e hoje,
há um pequeno espaço de tempo
onde cabe toda a força
da palavra amor

quinta-feira, 14 de abril de 2011

sem título XVI

... nesse pequeno espaço que existe
entre o ser e o estar, 
fico esperando que
estrelas mudem de lugar...

quarta-feira, 13 de abril de 2011

...

Público não é de ninguém!
Tanto descaso, tão pouco caso,
é cada um por si,
é a Lei de Murici,
é um que se foda,
                           tô nem aí!

(Cada um que me diz
que Deus sabe o que faz
me mata um pouco mais)

E eu? Eu que amo,
que exercito a empatia,
que choro quando todos vão
dormir, que faço eu?

Raimundo seria rima
barranco pura preguiça.

                                                 Não quero mudar meu nome
                                                  nem terminar rolando!

eu quero ser respeitada
bem amada
bem cuidada
bem olhada...

                                             Será que é muito?


06 de abril de 2011

sem título XV

Coisas, troços, restos
cada macaco no
                  seu galho
e o mundo que se exploda


Cadê a humanidade?
Cadê a empatia?
Cadê?

Chora não
        que não há ninguém que
se importe.
Chora não
que tudo o que era doce
já acabou.


06 de abril de 2011 - HUPE

sem título XIV

a força do medo que cala vozes
líquido frio na espinha
algoz, voz, remissão...


a força do medo que cata vozes
borboletas no estômago
éter, mudo, rendição...




03 de abril de 2011 - HUPE

quinta-feira, 31 de março de 2011

sem título XIII

é amanhã
embora eu desejasse apenas
esperar pelo depois de amanhã
apesar da minha vontade
de apenas
me sentar ao lado das
camisas dobradas
é amanhã

queria apenas a metafísica dos chocolates!

segunda-feira, 28 de março de 2011

minha religião é o amor, não frequento templos, não me ajoelho diante de altares, não aceito dogmas. simplesmente amo, amo com tanta intensidade e despreendimento que não preciso de reconhecimento e nem aguardo reciprocidade. amo simplesmente porque me vejo no outro. 
amo porque é assim que sou.
eu sou amor.


como toda religião tem sua oração, eis aqui meu padre nosso: 



Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar!  Amar! (...) 





Florbela Espanca

das tristezas

tristes não são as palavras
mas os olhos de quem lê.

sem título XII

longe, lá bem longe,
tem um rio de águas
claras e mansas
que se esparrama na
areia pra gente brincar

longe, lá bem longe,
tem um baobá de tronco
forte que se derrama
em sombras e folhas
pra gente deitar

vem

vem que tenho medo
deita ao meu lado
faz um cafuné
e diz que tudo vai ficar bem

vem que teu abraço
me protege de tudo
me aperta bem forte
e diz que tudo vai ficar bem.

O que mata

O que mata não é o câncer,
é o descaso, é a falta de afago,
é o medo no olhar do outro.

O que mata não é o câncer,
é não ter atendimento,
é ficar na fila na chuva,
é esperar
- bem quietinho -
que alguém lhe veja.

O que mata não é o câncer,
é o médico mercantilista
que cobra os olhos da sua cara
como pagamento.

O que mata é a incerteza no atendimento,
é a certeza do adiamento,
é a falta de acolhimento.


"E mesmo que nada funcione Eu estarei de pé, de queixo erguido"*


 * Pitty



sem título

entre as flores a noite cai
uma estrela pisca
um homem passa
uma lua corre e
um astronauta passeia
no grande nada

entre dores um homem vai
imerso em tudo
o homem chora
uma onda explode
uma pedra rola
e a nave vai

Enquanto todos dormem eu sonho. Ruas com flores azuis, casas com janelas amarelas e telhados vermelhos.
Lá não há fome, medo ou angústias.
Lá todos são felizes e ninguém está doente.
Lá qualquer um pode ser qualquer coisa e o perfume das flores invade o ar.

Medo IV

tantas ruas e
esquinas,
tantos medos e
receios.
paro sempre nos sinais
abertos
sigo fechada nos
demais

Do ato de ter fé.

Queria acreditar impunemente em alguma coisa divina e misteriosa, sabedora de todas as cores e de todas as dores do mundo.
queria muito acreditar.
Mas só consigo acreditar em quem me olha nos olhos e não abaixa o olhar.








vinte e sete de janeiro de dois mil e onze

domingo, 20 de março de 2011

quintaneando

"Frescor agradecido de capim molhado

Como alguém que chorou

E depois sentiu uma grande, uma quase envergonhada alegria

Por ter a vida

continuado..."

(Quintana, M. Pequeno Poema de Após a Chuva. IN: Baú de Espantos. São Paulo:Editora Globo, 2006, p. 64)

sem título XI

Sem compaixão.

Sem dó nem piedade.

Sem vírgulas ou parágrafos.

A vida segue, e nós seguimos nela, sempre, até o fim.





sábado, 19 de março de 2011

(trecho)


Paranóia

Raul Seixas

Quando esqueço a hora de dormir
E de repente chega o amanhecer
Sinto a culpa que eu não sei de que
Pergunto o que que eu fiz?
Meu coração não diz e eu...
Eu sinto medo!
Eu sinto medo!

Se eu vejo um papel qualquer no chão
Tremo, corro e apanho pra esconder
Com medo de ter sido uma anotação que eu fiz
Que não se possa ler
E eu gosto de escrever, mas...
Mas eu sinto medo!
Eu sinto medo! 

Medo III

Miedo

Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis

Tienen miedo del amor y no saber amar
Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz
Tienen miedo de pedir y miedo de callar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tienen miedo de subir y miedo de bajar
Tienen miedo de la noche y miedo del azul
Tienen miedo de escupir y miedo de aguantar
Miedo que da miedo del miedo que da

El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor

Tenho medo de gente e de solidão
Tenho medo da vida e medo de morrer
Tenho medo de ficar e medo de escapulir
Medo que dá medo do medo que dá

Tenho medo de acender e medo de apagar
Tenho medo de esperar e medo de partir
Tenho medo de correr e medo de cair
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma linha que separa o mundo
O medo é uma casa aonde ninguém vai
O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar

Tienen miedo de reir y miedo de llorar
Tienen miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienen miedo de decir y miedo de escuchar
Miedo que da miedo del miedo que da

Tenho medo de parar e medo de avançar
Tenho medo de amarrar e medo de quebrar
Tenho medo de exigir e medo de deixar
Medo que dá medo do medo que dá

O medo é uma sombra que o temor não desvia
O medo é uma armadilha que pegou o amor
O medo é uma chave, que apagou a vida
O medo é uma brecha que fez crescer a dor

El miedo es una raya que separa el mundo
El miedo es una casa donde nadie va
El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
El miedo es una fuerza que me impide andar

Medo de olhar no fundo
Medo de dobrar a esquina
Medo de ficar no escuro
De passar em branco, de cruzar a linha

Medo de se achar sozinho
De perder a rédea, a pose e o prumo
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

Medo estampado na cara ou escondido no porão
O medo circulando nas veias
Ou em rota de colisão

O medo é do Deus ou do demo
É ordem ou é confusão
O medo é medonho, o medo domina
O medo é a medida da indecisão

Medo de fechar a cara
Medo de encarar
Medo de calar a boca
Medo de escutar
Medo de passar a perna
Medo de cair
Medo de fazer de conta
Medo de dormir
Medo de se arrepender
Medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez
Medo de fugir da raia na hora H
Medo de morrer na praia depois de beber o mar
Medo... que dá medo do medo que dá
Medo... que dá medo do medo que dá


O Medo II

Como faço para meu corpo entender que nem tudo o que reluz é ouro?
Como faço para minha cabeça entender que nada termina antes do final?
Como faço para compreender o incompreensível?
Como?

São tantas as perguntas e tão poucas as respostas.
São tantos os caminhos e tão ruins as estradas.
São tantos os desafios e tão grande o cansaço.
Tantos.

O medo I

Como dizia minha mãe...

                                    Quem tem cu , tem medo!!!

quinta-feira, 17 de março de 2011

Se a carapuça couber...

I
Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros, e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia.
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.

Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.


Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.


Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.


Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.


E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.


Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.


Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha


Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.


E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.


Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.


O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.


À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama, e o mal cresce,
Baixou, subiu, morreu.


A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.


Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.


Gregório de Mattos e Guerra

terça-feira, 8 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher

Com licença poética
(Adélia Prado)


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

terça-feira, 1 de março de 2011

Abstinência I

Só parei de fumar.
Mas parece que parei de existir...

Da série: crise de abstinência

Mulher ao espelho
Cecília Meirelles


Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.



Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.



Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?



Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.



Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.



Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.






domingo, 23 de janeiro de 2011

fragmentos, releituras II ou Alice através do espelho ou clariceando ou só podia ser dela ou coisas que só uma mulher sabe dizer ou o próprio coração selvagem

“(...) para o grande mundo das galinhas-que-não-sabiam-que-iam-morrer.”



 “De longe mesmo possuía as coisas.”


“A certeza de que dou para o mal (...) Não era no mal apenas que alguém podia respirar sem medo, aceitando o ar e os pulmões? (...) Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de inconsequências, de egoísmo e vitalidade.”


“Porque a melhor frase, sempre ainda a mais jovem, era: a bondade me dá ânsias de vomitar”



“Ser livre era seguir-se afinal”

                                                  Clarice Lispector

sábado, 22 de janeiro de 2011

fragmentos, releituras I

                         "Existió una persona que podría entenderme. Pero fue, precisamente, la persona que maté."


                                                                                                                   Ernesto Sabato

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

sem título e com dor

Pertencimento. Ser de algum lugar ou de alguém. Saber-se. Conhecer-se.
Não me sinto pertencendo a nada. Me sinto isolada, só. Não sou nada do que poderia ter querido ser, não sou ninguém. Não há nesse momento, em lugar algum, alguém que sinta falta de mim. Não frequento clubes ou castas de nenhuma espécie. Não tenho iguais ( "são todos o ideal se os ouço e me falam").
Tudo o que faço está fora do lugar ou do tempo. tudo o que penso não provoca interesse algum.
Me sinto como aquele enfeite feio que ganhamos de natal e passamos o resto do ano tentando encaixar na sala, para no fim, jogar no lixo ou lacrar no armário.
Nada me pertence,
Não pertenço a nada.
Nada me contém.
Não contenho nada.
Eu, conjunto vazio.