Páginas

Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

terça-feira, 27 de novembro de 2012

quase humano

o quase humano que há em mim,
parece se contorcer
se dilacerar, 
estaria morrendo?
qual nada,
ele está cagando pra mim!!!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

sem título, com delicadeza


'gosto de delicadezas', 'de delicadezas', 'delicadezas', delicada'...
a frase lida, ainda soa na cabeça,
posso ouvi-la repetindo:
'delicadezas, delicadezas'...
ouço-a e quase posso ver
os olhos de jabuticaba
- delicados e doces -
se fechando num desejo 
não te entendo
não sei quem você é
não falo sua língua,
mas, também eu, 
gosto de delicadezas,
e uma parte quase humana
que trago escondida em mim,
encara seus olhos, 
e num gesto quase inexistente
ajeita seu cabelo e sorri.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

o vento desenrola os cabelos e as dores




era noite quando ela começou a caminhar. não sabia ao certo aonde ir ou o que fazer. mas havia a estrada. o devir, o amanhã... o ônibus! ‘filho-da-puta!’.
certo, respira, mentaliza o azul...
azul!... azul é o caralho!
cada vez que fecha os olhos, vê a cena mais dolorida que já viu na vida! e mesmo que nesse momento se sinta um monstro por considerar essa cena, dentre tantas outras terrivelmente brutais, como a mais dolorida, mesmo assim, pouco importava essa e qualquer outra coisa!! o que ela viu, não se devia ver.
seu homem, seu amado, escolhido entre outros igualmente machos e belos para ser seu parceiro na perpetuação da espécie, na sua cama, dentro de outra pessoa.
era isso possível?
'era possível que os deuses me dessem um amor, só para tomá-lo de mim? não!! não!'
como era possível que ele estivesse dentro de outra pessoas, se ainda estava dentro dela?
aquele dia em que o viu com ela no restaurante, não quis acreditar, mas ali já sabia. sexto sentido? sei lá! não foi a primeira vez que ela soube antes de saber. era como uma capacidade antiga, herdada das pitonisas. 'porra nenhuma, é instinto de preservação mesmo. percebemos quando estamos em perigo.'
sistema límbico, ancestral, primevo.
não falou nada. já havia dito que não perdoaria de novo, se decidisse perdoar, ele nem saberia que ela sabia. 
rodrigueanamente, decidiu ver o que essa outra história era pra ele. 
'era simples, decidi que se achasse que você me amava, eu não falaria nada e te perdoaria. mas esse plano tinha um grande defeito: como eu afastaria vocês dois se você não soubesse que eu sei?'
a coisa toda foi tomando corpo: não falaria nada. seguiria-o, vigiaria de longe.
a primeira vez que os viu, foi na cobal.  uma mesa cheia de gente. todos rindo muito, conversando animadamente. cada um dos dois teve seu compromisso cancelado e, ironia ou falha trágica, foram os dois para o mesmo lugar. ela foi à locadora. ele a pizzaria. ela já estava indo embora quando ouviu sua voz, foi tomada de uma alegria tão doce! e então os viu, e havia tanta força entre eles, um magnetismo. e foi então 'que eu senti, forte, gelado, um arrepio cortante, subindo pela minha coluna e mergulhando no meu estômago. e então eu soube. acho que teria sido melhor se eu tivesse ido até os dois, falado com eles, sei lá!...'
mas então passou a vigiá-lo de longe todos os dias. observava, e, aos poucos, foi percebendo a rotina. os dias certos para os encontros. foi inventando novos cursos, novos horários em que eu estaria ocupada.
'mas, sinceramente, eu não achei que eles fossem chegar a esse ponto!! minha casa! minha cama!!'
quando soube que eles se encontrariam aquela tarde, organizou tudo. saiu como de costume, e foi esperar.
'a eternidade passou por mim em poucas horas! todo o peso da tragédia humana em meus ombros. os vi entrar. esperei em silêncio no corredor por quase 40 minutos. ouvi as gargalhadas deles. ouvi o barulho do gelo nos copos, senti o cheiro do incenso e da maconha. ouvi o silêncio entre eles.
e então eu entrei, devagar, com cuidado e foi então que eu senti cheiro dela misturado ao cheiro dela, ouvi os gemidos... quando entrei no quarto, ele estava gozando, não me viu. nem ela, eu não era nada, um peido, quem sabe.
nesse momento senti em mim as maiores dores do mundo! entendi o que Édipo sentiu, compreendi medeia... eu sabia o cada um sentiu...
e então ele me viu. e então ela me viu. ele achou que eu queria transar com eles!! me convidou!! foi aí que eu não agüentei! e corri, corri, desci cada um dos 15 lances de escada como uma louca, corri até a avenida, peguei a estrada e continuei correndo aqui.
não tenho ar!! vou sufocar!!!
quero vomitar essa dor de dentro de mim!!!
quero dinamitar essa coisa que está esmagando meu peito!!! eu quero respirar!
fui pra praia. pra perto do mar, onde o vento desenrola os cabelos e as dores, fui pros braços calmos de iemanjá. fui tecer histórias. os meninos correndo livres pela areia.'
o sal lava tudo. ‘um dia, eu vou me sentir de novo. um dia...’

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

poema para o dia da árvore

A Árvore da Serra
Augusto dos Anjos



- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha'alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!



in eu e outras poesias

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

as múltiplas vozes da alma III

Cais
Mario Quintana

Naquele nevoeiro
Profundo profundo...
Amigo ou amiga,
Quem é que me espera?

Quem é que me espera
Que ainda me ama,
Parado na beira
Do cais do Outro Mundo?

Amigo ou amiga
Que olhe tão fundo
Tão fundo nos meus olhos
E nada me diga...

Que sorriso esquecido...
Ou radiante face
Puro sorriso
De algum novo amor?!



mario quintana. in: aprendiz de feiticeiro

terça-feira, 11 de setembro de 2012

'chore, amor, chore'

'sente-se à minha janela, amor, olhando a chuva...'*
pegue minha mão,
esvazie o pensamento,
encha-se de versos,
cantarole uma canção.

'sente-se à minha janela, amor,'
* 
e me escreva longas cartas:
fale-me de meus cabelos longos,
de meus lábios doces,
dos meus olhos de noite...

e 'chore, amor, chore',
* 
chore muito, chore tanto,
e cante,
e dance,
e goze,
e seja,
e sonhe...
'o tempo continua passando...'
* 

* bert russell, norman meade, w. m. thornton, janis joplin, gabriel mekler









quinta-feira, 6 de setembro de 2012

um atletismo afetivo

é preciso admitir, no ator, uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos. o ator é como um verdadeiro atleta físico, mas com a ressalva surpreendente de que ao organismo do atleta corresponde um organismo afetivo análogo, e que é paralelo ao outro, que é como o duplo do outro embora não aja no mesmo plano. o ator é como um atleta do coração. também para ele vale a divisão do homem total em três mundos; e a esfera afetiva lhe pertence propriamente. ela lhe pertence organicamente. os movimentos musculares do esforço são como a efígie de um outro esforço duplo, e que nos movimentos do jogo dramático se localizam nos mesmos pontos. enquanto o atleta se apóia para correr, o ator se apóia para lançar uma imprecação espasmódica, mas cujo curso é jogado para o interior. todas as surpresas da luta, da luta-livre, dos cem metros, do salto em altura encontram no movimento das paixões bases orgânicas análogas, têm os mesmos pontos físicos de sustentação.


cabe ainda a ressalva de que aqui o movimento é inverso e, com respeito à respiração, por exemplo, enquanto no ator o corpo é apoiado pela respiração, no lutador, no atleta físico é a respiração que se apóia no corpo. a questão da respiração é de fato primordial, ela é inversamente proporcional à importância da representação exterior. quanto mais a representação é sóbria e contida, mais a respiração é ampla e densa, substancial, sobrecarregada de reflexos. e a uma representação arrebatada, volumosa e que se exterioriza corresponde uma respiração de ondas curtas e comprimidas.

não há dúvida de que a cada sentimento, a cada movimento do espírito, a cada alteração da afetividade humana corresponde uma respiração própria. ora, os tempos da respiração têm um nome, como nos mostra a Cabala; são eles que dão forma ao coração humano e sexo aos movimentos das paixões. o ator não passa de um empírico grosseiro, um curandeiro guiado por um instinto mal conhecido.

no entanto, por mais que se pense o contrário, não se trata de ensiná-lo a delirar.

antonin artaud, in o teatro seu duplo, p 65

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

sem título XL



a vida
trançada em fitas coloridas,
me leva ladeira
acima
me põe na torre
me tranca
e vai

sozinha
costurada
desconstruída
faço das paredes
meu altar

nome



meu nome é tempo
tempo parado
tempo passado
tempo esquecido
tempos atrás

meu lugar é onde
onde estive
onde não vivo
onde não sei

minha hora é depois
depois do sonho
depois do vento
depois do tempo

sem título XXXIX



há o não dito,
o inventado,
o posto de lado,
a ausência da ação

(em minhas caixas de costura nascem novos botões, velhos vieses. ritos antigos. um dedo ferido na roca.)

domingo, 2 de setembro de 2012

sem título XXXVIII



peguei a caixa de costuras
os trapos
linhas, agulhas
dedais,
deite-me no tecido
marquei meu corpo
com giz rosa
me enchi de macela,
camomila e alecrim,
me fiz cheirosa,
me vi em mim...

trigrama VII

o sol com preguiça
se alonga
dentro de mim.

trigrama VI

corpos apressados -
sob as nuvens
as flores azuis

sem título XXXVII



me sinto como o peter pan,
minha sombra descosturada
passeia pelas paredes do
quarto,
alinhavo mal feito
pontos soltos,
sem acabamento.
brinco de esconde-esconde
 com a wendy...

procuro pares
nas meias perdidas
- por quanto tempo? -

sem título, sem voz, sem maiúsculas


eu sou muda! eu sou muda!
eu gritava e ninguém me ouvia!
não me ouviam porque eu sou muda!
é por isso que eu grito,
mas se eu não tenho voz, de que adianta gritar? de quê?

haverá algum chapolin colorado capaz de salvar? um de vocês? não! claro que não, vocês todos só querem ver, são voyers, imprestáveis, imóveis... sentados em suas certezas absolutas, mascando chicletes e cagando nos outros. podem olhar, podem me ver! estou aqui nua! crua! olha pra mim, anda, olha, essa sou eu ou é você? hein? quem é essa?

sábado, 1 de setembro de 2012

o que você quer saber de verdade

ontem fui ao show da marisa monte. presente de filha, acalanto, carinho... 

um espetáculo maravilhoso, sonora e visualmente.

marisa canta emoldurada por obras de artistas contemporâneos, numa instalação poeticosonoravisual belíssima! e marisa nos respeita, todos os detalhes estão pensados, amarrados, de tal modo que o que aparece é o espetáculo,o conjunto, o coletivo.

nem nos lembramos das mesas do vivo rio grudadas umas às outras de modo indecente!

saí de lá aliviada, de alma lavada, enxaguada e quarada!

obrigada, aisha e thico!

evoé, marisa!



no vídeo, a obra High definition (2010), de Luiz Zerbini, serve de cenário para a canção descalço no parque de jorge benjor, banda Dadi,  Carlos Trilha, Pedro Mibielli,Glauco Fernandes, Bernardo Fantini, Marcus Ribeiro, Pupillo, Lúcio Maia e Dengue 


lusitanidades I

Canção de Madrugar 
Ary dos Santos


De linho te vesti
De nardos te enfeitei
Amor que nunca vi
Mas sei ...

Sei dos teus olhos acesos na noite
Sinais de bem despertar
Sei dos teus braços abertos a todos
Que morrem devagar ...


Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo pode acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer


Irei beber em ti
O vinho que pisei
O fel do que sofri
E dei

Dei do meu corpo um chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
E uma lança de mágoa

Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas alarguei cidades
E construí poetas

E nunca te encontrei
Na estrada do que fiz
Amor que não logrei
Mas quis

Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo há-de acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Então:

Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem forcas, nem cardos, nem dardos, nem guerras
Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem mal ... ... ...

no vídeo: música de  fernando tordo, nuno nazareth fernandes e tózé brito, interpretação susana félix, in canções de ary dos santos.




quarta-feira, 29 de agosto de 2012

sem título XXXVI

há tantas vozes
tantos sons
guardo em mim um desejo:
queria ouvir todas as canções que existem!



acalanto
voz doce que me embala
e me leva pra longe
e me leva de volta ao tempo ancestral
ao que há antes do início

'a minha estrada'*
a nossa estrada
nossa órbita e nosso sol
passeios, luzes

com você eu danço!


marcia, in álbum dá

sem título XXXV

a cidade entra pela janela atras de mim
buzinas, roncos, gritos, freadas, sirenes.
a cidade vem gritar em meus ouvidos,
me perturbar, me trazer de volta.
a cidade não me deixa só,
ela tem medo dos meus pensamentos, não me permite.
a cidade quer me sitiar,
me excluir, me tornar igual, me diluir.

mas eu não me entrego, puxo a cortina,
inundo a sala de lavandas, respiro bem devagar e volto!




as múltiplas vozes da alma IV

Nunca
Vitor Paiva


Nunca, diga não pra mim
Eu não vou poder trabalhar, conversar, descansar sem o seu sim
Seja sempre assim
Por favor me dê um sinal
Um cartão postal, um aval dizendo assim
'não, não é o fim, dure o tempo que você gostar de mim
Entre o não e o sim, só me deixe quando
o lado bom for menor do que o ruim'

Nunca se esconda assim

Eu não vou saber te falar, te explicar que
Eu também me assusto muito
Você nunca vê que eu sou só um menino destes tais
Que pensam demais
Logo mais, vou correr atrás de ti.

'não, não é o fim, dure o tempo que você gostar de mim

Entre o não e o sim, só me deixe quando
O lado bom for menor do que o ruim' 

sábado, 25 de agosto de 2012

o teatro da crueldade II


segundo manifesto

'confesso ou não-confesso, consciente ou inconsciente, o estado poético, um estado transcendente de vida, é no fundo aquilo que o público procura através do amor, do crime, das drogas, da guerra ou da insurreição. o teatro da crueldade foi criado para devolver ao teatro a noção de uma vida apaixonada e convulsa; e é neste sentido de rigor violento, de condensação extrema dos elementos cênicos, que se deve entender a crueldade sobre a qual ele pretende se apoiar. essa crueldade, que será, quando necessário, sangrenta, mas que não o será sistematicamente, confunde-se, portanto com a noção de uma espécie de árida pureza moral que não teme pagar pela vida o preço que deve ser pago.

(...) pretende não abandonar para o cinema a tarefa de produzir os Mitos do homem e da vida modernos. mas fará isso de um modo que lhe é próprio, isto é, em oposição à tendência econômica, utilitária e técnica do mundo, voltará a pôr em moda as grandes preocupações e as grandes paixões essenciais que o teatro moderno cobriu com o verniz do homem falsamente civilizado. esses temas serão cósmicos, universais, interpretados segundo os textos mais antigos, tirados das velhas cosmogonias mexicana, hindu, judaica, iraniana, etc.

(...) renunciaremos à superstição teatral do texto e à ditadura do escritor. e assim reencontraremos o velho espetáculo popular traduzido e sentido diretamente pelo espírito, sem as deformações da linguagem e os escolhos do discurso e das palavras.

(...) no teatro digestivo de hoje, os nervos, ou seja, uma certa sensibilidade fisiológica, são deixados deliberadamente de lado, entregues à anarquia individual do espectador, o teatro da crueldade pretende voltar a usar todos os velhos meios experimentados e mágicos de ganhar a sensibilidade.'



antonin artaud, in o teatro seu duplo, p 61, 62, 63






sexta-feira, 24 de agosto de 2012

bodas de porcelana

encontrei o lu no dia do aniversário do leminski. só podia ser presságio!

comemorando com poesia:



 AMOR BASTANTE


        quando eu vi você
        tive uma idéia brilhante
        foi como se eu olhasse
        de dentro de um diamante
        e meu olho ganhasse
        mil faces num só instante

        basta um instante
        e você tem amor bastante



paulo leminski, in caprichos e relaxos, 1983.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

o teatro da crueldade


primeiro manifesto

'o teatro só poderá voltar a ser ele mesmo, isto é, voltar a constituir um meio de
ilusão verdadeira, se fornecer ao espectador verdadeiros precipitados de sonhos, em que
seu gosto pelo crime, suas obsessões eróticas, sua selvageria, suas quimeras, seu sentido
utópico da vida e das coisas, seu canibalismo mesmo se expandam, num plano não
suposto e ilusório, mas interior.


em outras palavras, o teatro deve procurar, por todos os meios, recolocar em
questão não apenas todos os aspectos do mundo objetivo e descritivo externo, mas
também do mundo interno, ou seja, do homem, considerado metafisicamente. só assim,
acreditamos, poderemos voltar a falar, no teatro, dos direitos da imaginação. nem o
Humor nem a Poesia nem a Imaginação significam qualquer coisa se, por uma
destruição anárquica, produtora de uma prodigiosa profusão de formas que serão todo o
espetáculo, não conseguem questionar organicamente o homem, suas idéias sobre a
realidade e seu lugar poético na realidade.'



antonin artaud, in o teatro seu duplo, p 43


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

reflexões I


"(...) a morte é nossa eterna companheira - falou dom juan, com um ar muito sério. - está sempre à nossa esquerda, à distância de um braço.

(...) ela sempre o espreitou. sempre o fará, até o dia em que o tocar.


(...) o que se deve fazer quando se é impaciente - continuou ele - é virar-se para a esquerda e pedir conselhos a sua morte. você perderá uma quantidade enorme de mesquinhez se sua morte lhe fizer um gesto, ou se a vir de relance, ou se, ao menos, tiver a sensação de que sua companheira está ali, vigiando-o.


(...) a morte é a única conselheira sábia que possuímos. toda vez que sentir, como sente sempre, que está tudo errado e você está prestes a ser aniquilado, vire-se para sua morte e pergunte se é verdade. ela lhe dirá que você está errado; que nada importa realmente, além do toque dela. sua morte lhe dirá: 'ainda não o toquei.'"




:dom juan. in viagem a ixtlan, carlos castañeda, p 46 e 47:

terça-feira, 7 de agosto de 2012

avesso

avesso,
costuras expostas
ando do lado de fora
carne viva
vermelha
sangrando

a etiqueta diz pra lavar à mão
secar à sombra
e passar à seco

carne viva é coisa frágil

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

para MariB





Aliás... como você está? ^^


sem lenço e sem documento

caminhando e cantando

nem sempre ganhando nem sempre perdendo,

mas não seguimos à toa!



tenho uns amigos tocando comigo,

sei que além das cortinas são palcos azuis e

pra elevar minhas idéias não preciso de incenso 

eu existo porque penso!




(Caetano Veloso, Geraldo Vandré,Guilherme Arantes, Arnaldo Antunes, Humberto Gessinger, Chico Buarque, Zeca Baleiro) 




terça-feira, 24 de julho de 2012

Da série: por que não fui eu que fiz?

Cântico Negro
José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

sem título XXXIV


faltam algumas coisas, falta sentir medo ou dor
falta sentir vontade de sentir medo ou dor
falta, ainda, descobrir como mandar no que sinto
falta ter coragem pra dizer que não tenho coragem
falta parar de machucar todo mundo
falta tanta coisa
sinto medo do escuro
sinto medo

quarta-feira, 13 de junho de 2012

sem título XXXIII

meu coração
barco ancorado
mudo, acuado,
anseia calado
pelos ventos do mar

trigrama V

sossega, leão.
zebra tem listra,
mas é livre...

trigramas IV

dos galhos da amendoeira
caem poemas, folhas,
sorrisos e saudades.

trigramas III

a folha cai.
outono?
saudades...

trigramas II

dias claros.
nos olhos
o frio

no fusca

como dois e dois
são quatro
prefiro ir a pé

trigramas I

dias frios
o sol tão longe
como você

sexta-feira, 8 de junho de 2012

pensamentinho de dentro II

o último ano não foi nada fácil. pra falar a verdade, o último ano foi difícil demais! ter a morte como companheira não é um execício fácil, exige retidão, disciplina, coragem. mas a morte é uma preceptora formidável! a morte ensina por dentro, tira das vísceras as respostas mais difíceis.  

olhar de filarmônica não é fácil, não mesmo! olhar cada parte do todo separadamente sem perder de vista o conjunto. 

é o medo que nos dá coragem. e quando não sentirmos medo, o que será de nós?


o amanhã chegando


minha compreensão está
encarcerada nas paredes da cidade
meus sonhos esquecidos
ideias adormecidas
desejos presos


(iluminação é perceber que só há metafísica nos chocolates. iluminação é recusar a luz.)


só por natureza ou
por condição?
ou ainda condução?
há caminhos abertos
curvas fechadas
lama e sol.
uma gama de possibilidades.


('em certas tatuagens não devemos confiar', é o que me confidencia o poeta numa livraria no largo do machado. há metafísica no largo do machado.)


entre o aqui e o agora
há a presença da 'magra',
da que lembra de tudo
da que não perdoa.
e o porvir?
e o depois?
amiga fiel
a única da vida toda.


(vou me tatuar no escuro. figura íntima e singular. vou me tatuar de vento, de movimento. tatuar o amanhã chegando...)



terça-feira, 22 de maio de 2012

sem título XXXII

o problema é a curva. o limiar. o ponto de mudança.
a estrada é fato, o cansaço é muito, o medo grande.
mas o caminho é possibilidade, é viagem, é retorno.
rendição
.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

pensamentinho de dentro

pitty, foi presente de filha.
gostei de cara!

e hoje, enquanto olhava o furacão se formando, percebia os pequenos relâmpagos e pensava: 'qual o sentido? pra que poesia?'

e lembrei de tanta gente bacana, que só conseguia pensar em uma coisa:

'Se o mundo acabar hoje eu estarei dançando
Se o mundo acabar hoje eu estarei dançando
Se o mundo acabar hoje eu estarei dançando com você'*

porque eu também sei que 'lá no fundo há tanta beleza no mundo'



domingo, 6 de maio de 2012

Tão Pequena

Tão Pequeno
Camões & Caetano Veloso & Wisnik



Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Ceo sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?


à unitas e suas levezas, essa belíssima canção, feita para o ballet onqotô, do grupo corpo.



sábado, 5 de maio de 2012

papo pra poeta

pra bom entendedor, meio poema basta?


descosturar

preciso sentar e descosturar minha vida.
refazer as bainhas
pregar os botões
trocar os zíperes
cerzir os furos

há marcas de traça
e de tempo
há manchas 
encardidos

vou pegar minha caixa de costuras
agulha e linha
colocar o dedal
e então
vou me refazer
- recosturar -
reinventar

ponto-a-ponto
cuidadosamente
com maestria
e então,
serei novamente eu




sexta-feira, 4 de maio de 2012

sr ninguém e todas as histórias de amor...

mr. nobody é um filme ímpar, delicado. espasmódico. ele se esparrama sobre nós e, junto com nemo, nos afogamos e voltamos à tona. 

não uma, mas todas as histórias de amor possíveis nas vidas de um único homem. o eterno retorno, voltar e voltar e voltar. depois de lançados os dados não podem se recolher de volta? 


somos afetados a cada cena, em cada nova possibilidade. todo o tempo do mundo nos olhos de um menino. e o amor. e escolher. e abrir mão. passar todo o tempo esperando que algo aconteça e nos salve de nós mesmos. de todas, a auto-piedade é a pior.

e o amor... ah, o amor!
o amor...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

é figura sem linguagem



'não existe amor em sp.'*
'aqui ninguém vai pro céu.'*
'buquê são flores mortas.'*
'a ganância vibra, a vaidade excita.'*
'não precisa morrer pra ver deus.'*



são paulo é metáfora,
é figura sem linguagem
é o mundo todo
são paulo sou eu e você


são paulo é nova iguaçu
é gente de todo o canto
é ilha de creta
é minotauro
é o fio arrebentado


é a falta de tudo que aquece
é excesso de tudo que sufoca
é o mundo todo
é figura sem linguagem
é metáfora.


*criolo, não existe amor em sp, in nó na orelha, 2011

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Patakori Ogun!

Hoje não é domingo. Mas é 23. Dia de Jorge. Assim, intimamente, sem rapapés.
Não é dia de "São" Jorge, é simplesmente dia de Jorge.
Desde muito pequena que ele está na minha vida: no Sítio do Pica-pau, nos terreiros de umbanda, no batuque do candomblé, nas sacristias. Jorge é um cara interessante, apesar de eu não gostar nem um pouco daquela imagem templária do cavaleiro de armadura matando o dragão. Prefiro o Jorge-Ogum, homem poderoso, capaz de amar e odiar como todos nós. Apaixonado guerreiro, dono dos caminhos e das estradas. É pra esse que dedico meu axé e essa canção.

sua benção.









23/04/2011


sábado, 21 de abril de 2012

desvontades

tô com sono da vida
quero dormir essa 
e acordar em outra

aproveitar meus sonhos
como se vida fossem
como se fossem verdade

quero deixar essas coisas de fora
essa falta de apetite pelo mundo
essa 'desvontade' de andar entre as gentes

'desvontade'...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

evoé, manuel bandeira!

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


manuel bandeira. in bandeira estrela da vida inteira, antologia poética, p 108.

as múltiplas vozes da alma III

Mortal loucura
Gregório de Mattos e José Miguel Wisnik


Na oração, que desaterra … a terra,
Quer Deus que a quem está o cuidado … dado,
Pregue que a vida é emprestado … estado,
Mistérios mil que desenterra … enterra.

Quem não cuida de si, que é terra, … erra,
Que o alto Rei, por afamado … amado,
É quem lhe assiste ao desvelado … lado,
Da morte ao ar não desaferra, … aferra.

Quem do mundo a mortal loucura … cura,
A vontade de Deus sagrada … agrada
Firmar-lhe a vida em atadura … dura.

O voz zelosa, que dobrada … brada,
Já sei que a flor da formosura, … usura,
Será no fim dessa jornada … nada.

no vídeo abaixo, trecho do balé onqotô, do grupo corpo, coreografia: rodrigo pederneiras;
música: caetano veloso e josé miguel wisnik; cenografia e iluminação: paulo pederneiras; figurino: freusa zechmeister; ano 2005:

sábado, 14 de abril de 2012

saudades

saudades de quando tudo era festa e nada podia estragar a alegria.
saudades de quando sábado era sinônimo de rua e amigos.
saudades de quando eu era sinônimo de rua e de festa.
saudades das rodinhas de violão.
saudades do cabo jorge.
saudades do padre farinha e do padre fritz.
saudades da minha bolsa de linha cinza e preta.
saudades da galera da sabará.
saudades dos amigos da tijuca.
saudades do tempo em que eu fazia meu tempo.
saudades!!


segunda-feira, 9 de abril de 2012

linhas azuis

agulha e linha.
bordo com mãos pesadas
finas linhas azuis

em cada uma 
há um canto 
não revelado
há um sonho
não cultivado
há um monstro
não domesticado

com olhos negros
encaro meus finos fios azuis
e suas ausências
suas querências
suas maledicências
seus adiamentos...

não fiz as casas,
nem os botões.
não pus zíper ou colchete

deixei minha história
aberta. 
escrita em finas linhas azuis...


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Da série: exercendo outros eus V

O Jardim do Silêncio
(Moska)

Um automóvel segue cego
Pela estrada iluminada de sol
E o homem que está ao volante
Nem olha pra trás
Aperta os olhos
Solta a fumaça e pensa:

Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe

A velocidade que emociona
É a mesma que mata
O sorriso antigo agora
É lágrima barata
A vida não pede licença 
E muito menos desculpa
O perdão é que possibilita
O nascimento da culpa

E assim
Viajando pelo mundo sem fim
O silêncio planta seu jardim

Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe

Esse automóvel surge surdo
Pelo caminho abafado de som
E a mulher que escreve um poema 
No banco de trás
Aperta os olhos
Solta a fumaça e pensa:

Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe
Tudo se compõe e se decompõe



ausências



descomposta.
sem compostura.
descosturada.
descortinada.
desbaratinada.
descompassada.
descabelada.
decapitada.
desconjuntada.



sem título XXXI

fios de lua
trançados com maestria.
minha vida não cabe em um dedal.

quem é o algoz?

a roupa já não me cabe.
cresceram em mim afetos inimaginados.
morreram antigas paixões.

'quem é o algoz?'

é pergunta repetida à esmo,
é coisa sem solução.

qual é, em mim, a pele que eu habito?

qual?
há pele habitada em mim
ou só há essa ausência que preenche tudo?

'quem é o algoz?'

pergunta meu coração,
quem me abate?

'coso o couro,

mas não coso o corpo'...
cantilena de coxia.

ladainha repetida

pela mãe, de agulha em punho,
dando um jeitinho na roupa"nova" 
que a prima não usa mais...

coso o couro.

costuro vozes que cantam
pr'eu dormir.

saudades de quando era pequena

e a felicidade tinha gosto,
e cheiro, de pizza de muzzarela.