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terça-feira, 3 de maio de 2011

Em tiras

Não havia nada que pudesse fazer. Os dados foram lançados e, contra os dados, não há como lutar.

Arrumou suas pobrezinhas com calma. Cabia tudo numa pequena maleta de couro. Única peça que herdara da mãe. Duas blusas, uma velha calças lee, algumas calcinhas e sutiãs.
Colocou a maleta logo na entrada, à esquerda do portão.

Tornou a entrar. Arrumou a mesa, a cama, passou uma vassoura na casa. Depois tomou um longo banho morno, se perfumou, se penteou, um pouquinho de batom.

Esperou.

Quando ele chegou, ela já havia bebido duas garrafas de vinho. Ele vinha com aquele cheiro que ela já aprendera a reconhecer: pinga, perfume barato e sexo. “Quantas vagabundas ele comeu hoje?” Ela começou a pensar mas logo desistiu. Não fazia sentido.

Ao olhar a casa arrumada, a mesa posta e a mulher cheirosa e meio bêbada, ele se espantou e se animou.

Ela lhe serviu uma taça de vinho, um bom prato de risoto. Tentou conversar normalmente. Não. Normalmente não. Normalmente ele não falaria com ele.

Depois foram pra cama. Ela deixou que ele se lambuzasse. De quatro. De lado, por baixo, por cima... Até que ele caiu duro, babando.

Então ela começou a executar seu plano. Levantou bem devagar , amarrou os pés e as mãos daquele que já fora seu grande amor. Nesse momento uma tristeza antiga apoderou-se dela. Olhando-o ali, deitado, com o veneno começando a fazer efeito, chegou a pensar em desistir... “Não!” Gritou alguém dentro dela, “desistir nunca! Começou, agora termina. Acaba logo com isso de uma vez por todas!”

Então ela deu andamento ao seu plano. Pegou a gilete na gaveta e começou a corta bem devagar. Foi tirando pequenas tiras. Uma para cada bofetada, humilhação que havia recebido dele.

Eram muitas, e ela levou horas nesse serviço. Precisa ser bem feito, afinal ele sempre gostou de tudo muito bem feito. E não era agora que ela iria desapontá-lo!

Chorou muito. Ora de tristeza, afinal havia verdadeiramente amado aquele homem, ora de gozo e vingança. Por fim arrumou toadas as tiras lado a lado na penteadeira, entre os perfumes baratos que ele tanto gostava.

Tomou um banho, se maquiou, pôs uma roupa nova, soltou o cabelo e foi.

Na esquina, com a pequena maleta de couro na mão, parou, olhou para trás e sorriu.

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