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Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

domingo, 28 de novembro de 2010

“O porvir... Sim, o porvir...”

E agora, postas às armas, encarcerados os bandidos. E agora, José, Maria, João?
É chegada a hora de uma discussão aberta, adulta, franca, liberta de tabus religiosos ou morais sobre as drogas, seu uso e sua descriminilização; sobre o sistema carcerário brasileiro e o modo absurdo e desumano com que o estado trata os presos. É preciso diferenciar o ladrão de galinhas do matador e do chefe do tráfico e do barão das armas; sobre o código penal que permite milhões de manobras legais que atravancam o sistema judiciário; sobre a condição desumana em que vive grande parte de nossa população.
É preciso que os xerifes entendam que tanques não bastam.
“O porvir...
Sim, o porvir...”

(...) dizei-me vós, Senhor Deus (...)

Manhã de quinta-feira. Tomei banho, me arrumei e saí. Peguei o Tinguá na Central. Av. Rio de Janeiro. Brasil. Dutra. Tudo normal. Fui. Voltei. Quando cheguei em casa havia uma guerra na minha sala! A tevê mostrava carros incendiados, caminhões atravessados, tanques! Uma multidão de homens fugindo pela mata. Uma guerra no meu quintal!
No estúdio, com a apresentadora do telejornal, os chefes das forças “do bem”. Peitos inflados feito pombos, mandando todos seguirem sua vida normalmente. Normalmente?
Famílias inteiras estão fora de casa! ‘Senhor Deus dos desgraçados’, por acaso o Senhor viu a idade daqueles “fascínoras”? Viu o medo?
Estou tão sofrida com tudo isso. Tão impotente! Olhando aqueles rostos no camburão lembrei de Aldir Blanc e João Bosco. Trilha perfeita.


Gênesis (parto)
João Bosco & Aldir Blanc


Quando ele nasceu
foi no sufôco...
Tinha uma vaca, um burro e um louco
que recebeu Seu Sete...
Quando ele nasceu
foi de teimoso
com a manha e a baba do tinhoso.
Chovia canivete...
Quando ele nasceu
nasceu de birra...
Barro ao invés de incenso e mira,
cordão cortado com gilete...
Quando ele nasceu
sacaram o berro,
meteram faca, ergueram ferro...
Exu falou: ninguém se mete!
Quando ele nasceu
Tomaram cana,
um partideiro puxou samba...
Oxum falou: esse promete...

Ronco da Cuica
João Bosco & Aldir Blanc


Roncou, roncou
Roncou de raiva a cuíca
Roncou de fome
Alguém mandou
Mandou parar a cuíca, é coisa dos home
A raiva dá pra parar, pra interromper
A fome não dá pra interromper
A raiva e a fome é coisas dos home
A fome tem que ter raiva pra interromper
A raiva é a fome de interromper
A fome e a raiva é coisas dos home
É coisa dos home
É coisa dos home
A raiva e a fome
A raiva e a fome
Mexendo a cuíca
Vai tem que roncar

Tiro de Misericórdia 2
João Bosco & Aldir Blanc


O menino cresceu entre a ronda e a cana
correndo nos becos que nem ratazana.
Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha
subindo em pedreira que nem lagartixa.
Borel, Juramento, Urubu, Catacumba,
nas rodas de samba, no eró da macumba.
Matriz, Querosene, Salgueiro, Turano,
Mangueira, São Carlos, menino mandando,
ídolo de poeira, marafo e farelo,
um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
imperador dos morros, reizinho nagô,
o corpo fechado por babalaôs.

Baixou Oxolufã com as espadas de prata,
com sua coroa de escuro e de vício.
Baixou Cão-Xangô com o machado de asa,
com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas
Com todos seus ferros, com lança e enxada.
E Oxossi com seu arco e flecha e seus galos
e suas abelhas na beira da mata.
E Oxum trouxe pedra e água da cachoeira
em seu coração de espinhos dourados.
Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar
e um batalhão de mil afogados.

Iansã trouxe as almas e os vendavais,
adagas e ventos, trovões e punhais.
Oxum-Maré largou suas cobras no chão.
Soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos
lançando a doença pra seus inimigos.
E Nana-Buruquê trouxe a chuva e a vassoura
Pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.

Exus na capa da noite soltara a gargalhada
e avisaram a cilada pros Orixás.
Exus, Orixás, menino, lutaram como puderam
mas era muita matraca e pouco berro.
E lá no horto maldito, no chão do Pendura-Saia,
Zumbi menino Lumumba tomba da raia
mandando bala pra baixo contra as falanges do mal,
arcanjos velhos, coveiros do carnaval.

- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos
em cada cruz?

- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma:
Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus...

Grampearam o menino do corpo fechado
e barbarizaram com mais de cem tiros.
Treze anos de vida sem misericórdia
e a misericórdia no último tiro.

Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
num jogo cercado pelos sete lados.

Escadas Da Penha
João Bosco


Nas escadas da Penha. Penou
No cotoco da vela. Velou
A doideira da chama. Chamou
O seu anjo-de-guarda. Guardou
O remorso num canto. Cantou
A mentira da nêga. Negou
O ciúme que mata. Matou
O amigo da ala. Tá lá
Ta lá o valete no meio das cartas,
No jogo dos búzios, ta lá
No risco da pemba,
No giro da pomba,
No som do atabaque, ta lá
E tá no cigarro, no copo de cana, na roda de samba, tá lá
Nos olhos da nega, na faca do crime, no caco do espelho,
no gol do seu time...
Ta lá o amigo de ala
O amigo de ala. Matou
O ciúme que mata. Negou
A mentira da nêga. Cantou
O remorso num canto. Guardou
O seu anjo-de-guarda. Chamou
A doideira da chama. Velou
No cotoco da vela. Penou
Nas escadas da Penha...


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ressonância Magnética

De todos os poetas que devoro, de todos os livros, poemas e canções que ouço ou já ouvi, nenhum conseguiu me radiografar tão bem. Álvaro de Campos é meu aparelho de ressonância magnética, meu ecocardiograma.


"(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)"

Abismo

Entre mim e o abismo não há nada.
Ou quase nada.
Um passo apenas.
Um único passo.
Um mergulho cego e mudo e surdo.
Já não sou eu.
Sou o abismo que há em mim.
Profundo. Negro.
Não sei o que fiz do que fui.
Não sei o que fazer do que nunca mais serei.

Olho as pessoas na rua e não consigo entender de onde vem tanto riso, tantas alegrias, tantos planos. A vida se resolve numa esquina, num pé-sujo qualquer. Uma cerveja, uma trepada e fim.

Por que diabos isso não me basta?
Por quais infernos ainda terei que passar?
Por quantos desertos?
Até quando assim tão só?

Não creio em deuses.
Não crio pássaros, nem fecho gaiolas.
A vida me levou de mim.
Me raptou. Estuprou. Espancou. Abandonou.
A vida, isso que para muitos é dádiva, é para mim somente dor.

Não conheço ninguém em Pasárgada.
Não sou amiga de reis.
Então o que fazer de mim?
Onde colocar tanta dor?

Mais um passo.
Entre mim e o abismo não há mais nada.
Respiro.
Abro bem os olhos e vou.

Da série: exercendo outros eus III

Bicarbonato de Soda
Álvaro de Campos



Súbita, uma angústia...
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!

Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!

Da série: quando eu crescer eu quero ser...

Rita Lee

Pagu

Rita Lee e Zélia Duncan


Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Uh! Uh! Uh! Uh!...

Eu sou pau prá toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Hum! Hum! Hum! Hum!
Minha força não é bruta
Não sou freira
Nem sou puta...

Porque nem!
Toda feiticeira é corcunda
Nem!
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem

Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Hanhan! Ah! Hanran!
Uh! Uh!
Fama de porra louca
Tudo bem!
Minha mãe é Maria Ninguém
Uh! Uh!...

Não sou atriz
Modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem!
Toda feiticeira é corcunda
Nem!
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem...

sábado, 20 de novembro de 2010

À Isamar

A Bunda, que Engraçada


A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
rebunda.


ANDRADE, Carlos Drummond de. A bunda, que engraçada. In: O Amor Natural - 1992

Asas

Desculpe.
Foi apenas um roçar de asas.
Não precisa dizer nada,
seu silêncio já disse tudo.

Mil desculpas!
Foi apenas distração,
um leve roçar de asas.
E nada mais.

Um sonho,
Um desejo,
Uma querência,
Só isso. Nada mais.

Desculpe.
Já recolhi as asas
e voltei para a gaiola!

sem título, sem sentido e com maiúsculas

Inchado e mudo meu coração balança.

Sem Título e Com Maiúsculas

Fique assim. Quieto. Parado. Fique aí.
Gosto de te olhar. Muito. Você esfinge, você mistérios.
Não! Não diga nada. Não se mova.
Não me interessa o que você diz e sim o que você cala. Não me interessa para onde você vai, mas de onde você vem.
Não! Por favor!
Não fale, não ande. Apenas seja.
Expire, para que eu possa inspirar. Sue, para que eu possa matar minha sede. Cante, para que eu possa dançar com as estrelas.

sem título e sem maiúsculas II

um arrepio
calafrio
percorre todo o corpo
eriça pelos
enrijece músculos
umedece lábios
acende olhos.
tensão
tufão
tesão

Meio árvore, meio amélia

Não há em mim nem as curvas nem a força das fêmeas.

Não desperto desejos, não crio anseios, não inspiro devaneios e nem causo rubores.

Nenhuma deusa mora em mim. Passo longe das femmes fatales dos filmes noir. Tampouco possuo a brejeirice das gabrielas.

Sonhos? Não os provoco. Vontades? Não as causo. Não tenho admiradores secretos, nem seguidores anônimos.

Sou assim. Meio árvore, meio amélia. Profundas raízes, copa larga sombreando o pátio, sem ninhos ou passarinhos.

Absurdamente só.

sem título e sem maiúsculas

um olhar
um cheiro,
um toque
um não-me-toque,
um pode
um talvez,
um acaso
um afago,
um desejo
um beijo,
não! um beijo não!
uns beijos!

O outro.

Vem
o
outro
em mim.

Vai
em mim
o
outro.

O
outro
vai e vem
em mim.

outono

foi de repente
pedacinho de nada
perdido no tempo

foi longo,
denso nevoeiro,
vapores no ar

foi claro
e limpo
e belo
e eterno

"uma boca que eu sei
não porque me fala lindo
e sim, beija bem"


Outono, Djavan

dignitate

Sensatez: sen.sa.tez
sf (sensato+ez) Qualidade de sensato; bom senso, discrição, prudência.

Dignidade: dig.ni.da.de
sf (lat dignitate) 1 Modo de proceder que infunde respeito. 2 Elevação ou grandeza moral. 3 Honra. 4 Autoridade, gravidade. 5 Qualidade daquele ou daquilo que é nobre e grande. 6 Honraria. 7 Título ou cargo de graduação elevada. 8 Respeitabilidade. 9 Pundonor, seriedade. 10 Nobreza. D. essencial, Astrol: situação de um planeta em uma parte favorável do zodíaco. Antôn (acepções de 1 a 5): indignidade


Sensata eu seria se não falasse sobre isso aqui. Aliás, para ser exata, sensata eu seria se não falasse sobre isso em lugar nenhum!

Às favas com a sensatez!
Essa sou eu: insensata, insana, imprevisível.

Chega de ser comportada, perfeitinha, limpinha. Quero mesmo é a sujeira cotidiana que tempera a vida. Estou farta de polidez, sensatez... Quero a embriaguês da criação, o ópio das epifanias, o ludo das relações.

Cansei de ser digna! Quero é a indignidade da liberdade, livre de clichês.

Chega de ser a boa menina, a prendada, a aplicada, a inteligente, a recatada.

"Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"

Dignidade? Sensatez?

Não quero impor respeito, quero ser respeitada. Não me importa uma grandeza moral que não me contém, nem uma honra que não seja a de estar viva.

De que vale ser nobre, altiva, respeitável e desenvolta, nesse mar de hipocrisia?

Não. Eu quero é ser indigna!!!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O primeiro beijo

depois do primeiro beijo
- que quase me tira o chão -
depois desses sabores trocados
de sentir seu gosto
de me ver em seus olhos,
depois desse beijo,
é preciso recolhimento.
um tempo para
viver
reviver
rever

depois desse beijo
é necessário silêncio e prece
é preciso que o mundo
fique lá fora
cá dentro
só eu
e seu cheiro
e seu gosto
e seu rosto

então vou bordando
cada movimento
na memória

depois desse beijo
só é possível
voar

sem título IV

Primeiro foram os olhos.
Começaram a se esbarrar,
assim,
quase por acaso,
num lapso,
num átimo,
em suspense,
furtivos.

Depois foram as palavras.
Cada palavra sua
atraía
uma palavra minha
em versos,
redondilhas,
tonterías.

Então foram os pensamentos.
Se misturavam
se tocavam
e trovavam
e filosofavam.

Hoje meus olhos,
sem os seus,
veem borrões.
Minhas palavras
sem as suas
são vazias.
Meus pensamentos,
sem os seus,
são só pensamentos.

sem título III

Não me diga seu nome. Vou chamá-lo simplesmente homem e me chamarás mulher. Não querosaber onde vives, o que comes, seu livro preferido. Para mim só importa sua presença. Seu corpo moreno e forte, seus olhos tristes e sua boca molhada. Mais nada, tudo o mais é muito pouco. Quero de você apenas o que não é de mais ninguém.

Mote: um rubor, um torpor. um jogo de sons.

Glosa

Não sei quem és. Também não sabes quem sou. Teu nome, meu signo ou teu time de futebol. De ti sei pouco, pouco mesmo. Sei que respeitas os pontos e as vírgulas, sei que tens braços fortes e olhos tristes. Sei também que carregas o mundo nos ombros. Sei que gostas de morangos com creme e, quase sempre, preferes os beijos às mordidas. Não sei teu nome, mas te chamo. Basta um olhar, um roçar de olhos, um leve bater de cílios e tu vens... De tua boca só me importam os beijos. De tuas mãos às carícias.

Litoral e Sertão.

Litoral e sertão. Dentro e fora, texto e contexto. Oposto complementar. Imã. Íons. psitivo e negativo. Seus olhos me encontram e eu vou. Terra à dentro. mergulho nesse mar terracota, imensidão seca e pedrenta que me revela. Meus ventos de litoral, minhas falésias, meus penhascos e minhas grutas, tudo o que em mim é líquido e fluído, reflete sua concretude. Sabedoria ancestral. Força telúrica, água e terra. Juntos somos lama, lodo, mangue. A vida brota de nós dois. Útero. Quasar. Vulcão. Fossa abissal.

Entre nós

Entre nós
inerte
paira sempre
um beijo
não dado
uma palavra
não dita
um desejo
mal disfarçado

Entre nós
imberbe
paira sempre
um desejo
menino
um anseio
divino
uma vontade
sacra

Entre nós
pulsante
paira
o tempo.

O outro, outra vez...

Vem
de novo
ser
o
outro.

O
outro
ser
de novo
vem.

De novo
o
outro
vem
ser.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Para o meu irmão

Lá fora o dia amanhece róseo, claro, denso. Vem acompanhado de uma chuva fina, de um cheiro de terra. Dormir não tem sido fácil. Há em mim alguma coisa acordada que não me deixa dormir. Hoje é dia de Finados. Saudades do meu irmão, da minha bisa. Saudades de quando eu era criança e todos estavam vivos. “ No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto”. Acho que nunca escrevi sobre o meu irmão. Acho que nunca chorei tudo o que tinha para chorar. Será que um dia choraremos tudo? Meu irmão não era um anjo. Era um irmão típico, daqueles que a gente ama e odeia em menos de um minuto! Lembro que quando ele era pequeno, tudo ele me perguntava:’ É, Iaia?’ Iaia. De Alexandra, virei Iaia. Coisas que irmãos menores fazem com a gente! Não sei se eu acredito ou não em deuses e céus, mas sei que acredito profundamente no amor. E sei também que enquanto convivemos, tivemos mais aventuras que brigas. E sei que ainda o amo.

Leminskiando...

Dor elegante
Itamar Assumpção e Paulo Leminski



Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra