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domingo, 28 de novembro de 2010

(...) dizei-me vós, Senhor Deus (...)

Manhã de quinta-feira. Tomei banho, me arrumei e saí. Peguei o Tinguá na Central. Av. Rio de Janeiro. Brasil. Dutra. Tudo normal. Fui. Voltei. Quando cheguei em casa havia uma guerra na minha sala! A tevê mostrava carros incendiados, caminhões atravessados, tanques! Uma multidão de homens fugindo pela mata. Uma guerra no meu quintal!
No estúdio, com a apresentadora do telejornal, os chefes das forças “do bem”. Peitos inflados feito pombos, mandando todos seguirem sua vida normalmente. Normalmente?
Famílias inteiras estão fora de casa! ‘Senhor Deus dos desgraçados’, por acaso o Senhor viu a idade daqueles “fascínoras”? Viu o medo?
Estou tão sofrida com tudo isso. Tão impotente! Olhando aqueles rostos no camburão lembrei de Aldir Blanc e João Bosco. Trilha perfeita.


Gênesis (parto)
João Bosco & Aldir Blanc


Quando ele nasceu
foi no sufôco...
Tinha uma vaca, um burro e um louco
que recebeu Seu Sete...
Quando ele nasceu
foi de teimoso
com a manha e a baba do tinhoso.
Chovia canivete...
Quando ele nasceu
nasceu de birra...
Barro ao invés de incenso e mira,
cordão cortado com gilete...
Quando ele nasceu
sacaram o berro,
meteram faca, ergueram ferro...
Exu falou: ninguém se mete!
Quando ele nasceu
Tomaram cana,
um partideiro puxou samba...
Oxum falou: esse promete...

Ronco da Cuica
João Bosco & Aldir Blanc


Roncou, roncou
Roncou de raiva a cuíca
Roncou de fome
Alguém mandou
Mandou parar a cuíca, é coisa dos home
A raiva dá pra parar, pra interromper
A fome não dá pra interromper
A raiva e a fome é coisas dos home
A fome tem que ter raiva pra interromper
A raiva é a fome de interromper
A fome e a raiva é coisas dos home
É coisa dos home
É coisa dos home
A raiva e a fome
A raiva e a fome
Mexendo a cuíca
Vai tem que roncar

Tiro de Misericórdia 2
João Bosco & Aldir Blanc


O menino cresceu entre a ronda e a cana
correndo nos becos que nem ratazana.
Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha
subindo em pedreira que nem lagartixa.
Borel, Juramento, Urubu, Catacumba,
nas rodas de samba, no eró da macumba.
Matriz, Querosene, Salgueiro, Turano,
Mangueira, São Carlos, menino mandando,
ídolo de poeira, marafo e farelo,
um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
imperador dos morros, reizinho nagô,
o corpo fechado por babalaôs.

Baixou Oxolufã com as espadas de prata,
com sua coroa de escuro e de vício.
Baixou Cão-Xangô com o machado de asa,
com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas
Com todos seus ferros, com lança e enxada.
E Oxossi com seu arco e flecha e seus galos
e suas abelhas na beira da mata.
E Oxum trouxe pedra e água da cachoeira
em seu coração de espinhos dourados.
Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar
e um batalhão de mil afogados.

Iansã trouxe as almas e os vendavais,
adagas e ventos, trovões e punhais.
Oxum-Maré largou suas cobras no chão.
Soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos
lançando a doença pra seus inimigos.
E Nana-Buruquê trouxe a chuva e a vassoura
Pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.

Exus na capa da noite soltara a gargalhada
e avisaram a cilada pros Orixás.
Exus, Orixás, menino, lutaram como puderam
mas era muita matraca e pouco berro.
E lá no horto maldito, no chão do Pendura-Saia,
Zumbi menino Lumumba tomba da raia
mandando bala pra baixo contra as falanges do mal,
arcanjos velhos, coveiros do carnaval.

- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos
em cada cruz?

- Irmãos, irmãs, irmãozinhos,
nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma:
Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus...

Grampearam o menino do corpo fechado
e barbarizaram com mais de cem tiros.
Treze anos de vida sem misericórdia
e a misericórdia no último tiro.

Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
num jogo cercado pelos sete lados.

Escadas Da Penha
João Bosco


Nas escadas da Penha. Penou
No cotoco da vela. Velou
A doideira da chama. Chamou
O seu anjo-de-guarda. Guardou
O remorso num canto. Cantou
A mentira da nêga. Negou
O ciúme que mata. Matou
O amigo da ala. Tá lá
Ta lá o valete no meio das cartas,
No jogo dos búzios, ta lá
No risco da pemba,
No giro da pomba,
No som do atabaque, ta lá
E tá no cigarro, no copo de cana, na roda de samba, tá lá
Nos olhos da nega, na faca do crime, no caco do espelho,
no gol do seu time...
Ta lá o amigo de ala
O amigo de ala. Matou
O ciúme que mata. Negou
A mentira da nêga. Cantou
O remorso num canto. Guardou
O seu anjo-de-guarda. Chamou
A doideira da chama. Velou
No cotoco da vela. Penou
Nas escadas da Penha...


4 comentários:

  1. Sabe, Xanda, ás vezes tenho até medo de passar por aqui...
    Vendo essa guerra na TV, pensei logo no q vc estaria pensando.
    Essa músicas são demais, e em seguida?
    parece que eles já sabiam...

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  2. Ah, esqueci de assinar lá em riba!

    Bjs

    Carlinha

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  3. João Bosco & Aldir Blanc... A fome e a raiva é coisa dos home...

    São mesmo...

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