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Um lugar para chamar de meu. Meu sítio virtual. Meu cadinho.

Lugar de gritos e sussurros. Pedaço de mim.

'Onde eu possa juntar meus amigos, meus discos e livros...'

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

poema para o dia da árvore

A Árvore da Serra
Augusto dos Anjos



- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha'alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!



in eu e outras poesias

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

as múltiplas vozes da alma III

Cais
Mario Quintana

Naquele nevoeiro
Profundo profundo...
Amigo ou amiga,
Quem é que me espera?

Quem é que me espera
Que ainda me ama,
Parado na beira
Do cais do Outro Mundo?

Amigo ou amiga
Que olhe tão fundo
Tão fundo nos meus olhos
E nada me diga...

Que sorriso esquecido...
Ou radiante face
Puro sorriso
De algum novo amor?!



mario quintana. in: aprendiz de feiticeiro

terça-feira, 11 de setembro de 2012

'chore, amor, chore'

'sente-se à minha janela, amor, olhando a chuva...'*
pegue minha mão,
esvazie o pensamento,
encha-se de versos,
cantarole uma canção.

'sente-se à minha janela, amor,'
* 
e me escreva longas cartas:
fale-me de meus cabelos longos,
de meus lábios doces,
dos meus olhos de noite...

e 'chore, amor, chore',
* 
chore muito, chore tanto,
e cante,
e dance,
e goze,
e seja,
e sonhe...
'o tempo continua passando...'
* 

* bert russell, norman meade, w. m. thornton, janis joplin, gabriel mekler









quinta-feira, 6 de setembro de 2012

um atletismo afetivo

é preciso admitir, no ator, uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos. o ator é como um verdadeiro atleta físico, mas com a ressalva surpreendente de que ao organismo do atleta corresponde um organismo afetivo análogo, e que é paralelo ao outro, que é como o duplo do outro embora não aja no mesmo plano. o ator é como um atleta do coração. também para ele vale a divisão do homem total em três mundos; e a esfera afetiva lhe pertence propriamente. ela lhe pertence organicamente. os movimentos musculares do esforço são como a efígie de um outro esforço duplo, e que nos movimentos do jogo dramático se localizam nos mesmos pontos. enquanto o atleta se apóia para correr, o ator se apóia para lançar uma imprecação espasmódica, mas cujo curso é jogado para o interior. todas as surpresas da luta, da luta-livre, dos cem metros, do salto em altura encontram no movimento das paixões bases orgânicas análogas, têm os mesmos pontos físicos de sustentação.


cabe ainda a ressalva de que aqui o movimento é inverso e, com respeito à respiração, por exemplo, enquanto no ator o corpo é apoiado pela respiração, no lutador, no atleta físico é a respiração que se apóia no corpo. a questão da respiração é de fato primordial, ela é inversamente proporcional à importância da representação exterior. quanto mais a representação é sóbria e contida, mais a respiração é ampla e densa, substancial, sobrecarregada de reflexos. e a uma representação arrebatada, volumosa e que se exterioriza corresponde uma respiração de ondas curtas e comprimidas.

não há dúvida de que a cada sentimento, a cada movimento do espírito, a cada alteração da afetividade humana corresponde uma respiração própria. ora, os tempos da respiração têm um nome, como nos mostra a Cabala; são eles que dão forma ao coração humano e sexo aos movimentos das paixões. o ator não passa de um empírico grosseiro, um curandeiro guiado por um instinto mal conhecido.

no entanto, por mais que se pense o contrário, não se trata de ensiná-lo a delirar.

antonin artaud, in o teatro seu duplo, p 65

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

sem título XL



a vida
trançada em fitas coloridas,
me leva ladeira
acima
me põe na torre
me tranca
e vai

sozinha
costurada
desconstruída
faço das paredes
meu altar

nome



meu nome é tempo
tempo parado
tempo passado
tempo esquecido
tempos atrás

meu lugar é onde
onde estive
onde não vivo
onde não sei

minha hora é depois
depois do sonho
depois do vento
depois do tempo

sem título XXXIX



há o não dito,
o inventado,
o posto de lado,
a ausência da ação

(em minhas caixas de costura nascem novos botões, velhos vieses. ritos antigos. um dedo ferido na roca.)

domingo, 2 de setembro de 2012

sem título XXXVIII



peguei a caixa de costuras
os trapos
linhas, agulhas
dedais,
deite-me no tecido
marquei meu corpo
com giz rosa
me enchi de macela,
camomila e alecrim,
me fiz cheirosa,
me vi em mim...

trigrama VII

o sol com preguiça
se alonga
dentro de mim.

trigrama VI

corpos apressados -
sob as nuvens
as flores azuis

sem título XXXVII



me sinto como o peter pan,
minha sombra descosturada
passeia pelas paredes do
quarto,
alinhavo mal feito
pontos soltos,
sem acabamento.
brinco de esconde-esconde
 com a wendy...

procuro pares
nas meias perdidas
- por quanto tempo? -

sem título, sem voz, sem maiúsculas


eu sou muda! eu sou muda!
eu gritava e ninguém me ouvia!
não me ouviam porque eu sou muda!
é por isso que eu grito,
mas se eu não tenho voz, de que adianta gritar? de quê?

haverá algum chapolin colorado capaz de salvar? um de vocês? não! claro que não, vocês todos só querem ver, são voyers, imprestáveis, imóveis... sentados em suas certezas absolutas, mascando chicletes e cagando nos outros. podem olhar, podem me ver! estou aqui nua! crua! olha pra mim, anda, olha, essa sou eu ou é você? hein? quem é essa?

sábado, 1 de setembro de 2012

o que você quer saber de verdade

ontem fui ao show da marisa monte. presente de filha, acalanto, carinho... 

um espetáculo maravilhoso, sonora e visualmente.

marisa canta emoldurada por obras de artistas contemporâneos, numa instalação poeticosonoravisual belíssima! e marisa nos respeita, todos os detalhes estão pensados, amarrados, de tal modo que o que aparece é o espetáculo,o conjunto, o coletivo.

nem nos lembramos das mesas do vivo rio grudadas umas às outras de modo indecente!

saí de lá aliviada, de alma lavada, enxaguada e quarada!

obrigada, aisha e thico!

evoé, marisa!



no vídeo, a obra High definition (2010), de Luiz Zerbini, serve de cenário para a canção descalço no parque de jorge benjor, banda Dadi,  Carlos Trilha, Pedro Mibielli,Glauco Fernandes, Bernardo Fantini, Marcus Ribeiro, Pupillo, Lúcio Maia e Dengue 


lusitanidades I

Canção de Madrugar 
Ary dos Santos


De linho te vesti
De nardos te enfeitei
Amor que nunca vi
Mas sei ...

Sei dos teus olhos acesos na noite
Sinais de bem despertar
Sei dos teus braços abertos a todos
Que morrem devagar ...


Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo pode acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer


Irei beber em ti
O vinho que pisei
O fel do que sofri
E dei

Dei do meu corpo um chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
E uma lança de mágoa

Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas alarguei cidades
E construí poetas

E nunca te encontrei
Na estrada do que fiz
Amor que não logrei
Mas quis

Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo há-de acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Então:

Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem forcas, nem cardos, nem dardos, nem guerras
Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem mal ... ... ...

no vídeo: música de  fernando tordo, nuno nazareth fernandes e tózé brito, interpretação susana félix, in canções de ary dos santos.